Márcia Turcato*
A Esplanada dos Ministérios em Brasília amanheceu nesta quarta-feira (11)aberta ao trânsito de veículos.
A aparente normalidade da capital da República durou pouco, no início da tarde a via voltou a ser fechada diante de novas ameaças de atos terroristas praticados por bolsonaristas. Uma coisa é certa, todo fascista brasileiro votou em Bolsonaro. Mas nem todo o eleitor de Bolsonaro é fascista. Por obrigação de ofício, faço essa ressalva.
Os moradores de Brasília estão sofrendo mais do que qualquer outro brasileiro com os atentados realizados na cidade, que é patrimônio da humanidade.
Marco da arquitetura e urbanismo modernos, a capital do Brasil tem a maior área tombada do mundo, são 112,25 km², foi inscrita pela UNESCO na lista de bens do Patrimônio Mundial em 7 de dezembro de 1987, sendo a única cidade contemporânea a merecer essa distinção.
E mais do que qualquer morador da cidade, os jornalistas que cobrem o dia a dia político de Brasília são os que estão enfrentando os maiores obstáculos e agressões dos bolsonaristas.
Até terça-feira (10), o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) recebeu relatos de 15 profissionais da imprensa agredidos nos atos terroristas e golpistas do domingo (8).
Os casos reportados ao SJPDF são:
1 – Um repórter do jornal O Tempo foi agredido por criminosos que chegaram a apontar duas armas de fogo para ele, dentro do Congresso Nacional. O repórter relatou que procurou ajuda, mas os policiais militares recusaram. Foi salvo por um técnico da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
2 – Uma repórter da Rádio Jovem Pan foi xingada e seguida enquanto deixava a região da Esplanada dos Ministérios. Um homem tentou abrir a porta do carro da jornalista e apontou uma arma para ela.
3 – Um repórter da TV Band teve o celular destruído enquanto filmava o ato. Ele me disse que não foi agredido.
4 – Uma repórter fotográfica do jornal Metrópoles foi derrubada e espancada por 10 homens. Ela teve o equipamento danificado.
5 – Uma jornalista e analista política do portal Brasil 247 foi ameaçada, perseguida e agredida pelos terroristas. Ela teve de apagar os registros feitos no celular. Ao pedir auxílio da Polícia Militar, teve como resposta um fuzil apontado em sua direção. Relatou que só saiu sem ser linchada porque teve ajuda de uma pessoa que participava do ato.
6 – Uma correspondente do jornal The Washington Post foi agredida com chutes e derrubada no chão. Ela teve o material de trabalho roubado. Um repórter do jornal O Globo que testemunhou a agressão recorreu à equipe do Ministério da Defesa, que ajudou a jornalista.
7 – Um repórter fotográfico free-lancer teve o equipamento de trabalho e o telefone celular roubados pelos vândalos. Os agressores deram socos no rosto dele e quebraram os óculos do profissional.
8 – Um repórter da Agência Anadolu, da Turquia, levou tapas no rosto enquanto cobria o vandalismo no Palácio do Planalto.
9 – Um repórter da Agência France Press teve o equipamento (incluindo o celular) roubado e foi sido agredido.
10 – Um repórter fotográfico da Folha teve o equipamento roubado.
11 – Um repórter fotográfico da Agência Reuters teve o material de trabalho e o celular roubados.
12 – Um repórter da Agência Brasil teve o crachá puxado pelas costas, enquanto registrava a destruição. Ele ficou com escoriações no pescoço.
13 – Um repórter fotográfico do portal Poder 360° foi agredido e tentaram levar o equipamento dele.
14 – Um repórter fotográfico da Agência Brasil precisou sair da Esplanada dos Ministérios após vândalos ameaçarem empurrá-lo da marquise do Congresso Nacional.
15 – Um jornalista do portal Congresso em Foco relatou que um agente da Polícia Rodoviária Federal impediu que ele ficasse em local seguro e o obrigou a ir para o meio dos terroristas. Ele também foi cercado por agentes da Força Nacional de Segurança Pública e só conseguiu ficar em segurança após ser resgatado por um integrante da assessoria do Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Diante destes fatos criminosos, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal e a Federação Nacional de Jornalistas manifestaram em nota oficial o “seu mais profundo repúdio aos atos golpistas e terroristas ocorridos neste domingo na Esplanada dos Ministérios e à violência contra profissionais da imprensa, impedidos de realizar seu trabalho com segurança. Ao mesmo tempo, o Sindicato e a Fenaj se solidarizam com os e as colegas feridos/das durante o exercício da profissão”.
A nota do Sindicato diz ainda que “todos os acontecimentos em curso são resultado da inoperância do Governo do Distrito Federal, de setores da segurança pública e Forças Armadas, que permitiram a escalada da violência e se mostraram coniventes com os grupos bolsonaristas, golpistas, que não respeitam o resultado das eleições, a Constituição e a democracia”.
Na segunda-feira (9), logo após os atos terroristas, representantes do SJPDF e de outras entidades da classe, se reuniram com o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, deputado Paulo Pimenta (PT/RS). Na ocasião, os jornalistas pediram apoio do governo brasileiro à proposta da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ) de adotar uma convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) específica para a segurança dos profissionais da imprensa, além da criação do Observatório Nacional da Violência contra Jornalistas.
As entidades de classe também solicitaram que os crimes contra jornalistas sejam federalizados e que seja estabelecido diálogo com os empregadores para alertar sobre a necessidade e a urgência de adotar ações de segurança para reduzir os riscos em coberturas jornalísticas em situação adversa, como foram os atentados terroristas do domingo, 8 de janeiro, uma data para nunca esquecer e que jamais possa se repetir.
*Jornalista, autora do livro Reportagem: da ditadura à pandemia