Pandemia: desigualdade aumentou e quem mais perdeu foi a classe média

Cruzando informações de duas fontes  – a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio, a PNAD contínua, e a base de dados do Imposto de Renda – uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas está mostrando que a desigualdade de renda no Brasil aumentou mais do que se esperava.

A PNAD Contínua é feita trimestralmente pelo IBGE e colhe dados sobre renda familiar, emprego, consumo. A base do Imposto de Renda, a partir das declarações anuais, fornece dados mais precisos sobre a renda, principalmente dos mais ricos.

“Quando a gente combina dados do imposto de renda com as pesquisas domiciliares, a desigualdade se apresenta bem mais alta, e a mudança dela na pandemia não foi de queda como se acreditava, mas de um pequeno aumento”, explicou o diretor da FGV Social, Marcelo Neri, em entrevista à Agência Brasil.

Segundo o professor, a renda dos mais ricos revelada no imposto de renda é mais alta do que é captado pela PNAD. Significa que a desigualdade é maior do que revela a amostragem domiciliar e quem mais perdeu foi a classe média: “Não teve o auxílio e também não tinha renda do capital para estabilizar o choque adverso”, segundo Neri. Foi nela também que mais forte se fez sentir as perdas de empregos.

O indice de Gini, que mede a desigualdade, chegou a 0,7068 em 2020. O valor é superior ao 0,6013 calculado apenas na PND Contínua.  Conforme o cálculo do Gini, quanto mais perto de 1 está o indicador, maior é a desigualdade.

Diferente do que se pensava, mesmo com o Auxílio Emergencial, a desigualdade brasileira não recuou durante a pandemia. Com a metodologia usual do Gini o patamar teria passado de 0,6117 para 0,6013. No entanto, com a combinação das bases, o indicador vai de 0,7066 para 0,7068.

Neri destacou que as perdas dos mais ricos (os 1%) foi de 1,5%, nível menor do que a metade da classe média, que ficou em 4,2%, e se tornou, segundo o professor, a grande perdedora da pandemia.

“Embora a renda dos mais pobres tenha sido protegida pelo Auxílio Emergencial, a renda da classe média teve uma queda quase três vezes maior do que a do topo da distribuição. Foi [queda de] 4,2% para a classe média e menos 1,2% para o topo da distribuição. A fotografia da desigualdade e o filme da pandemia são piores do que imaginavam. Essa é uma imagem mais macro da pesquisa”, explicou.

Unidades da federação
As rendas mais altas do imposto de renda por habitante no Brasil foram notadas em Brasília (R$ 3.148), São Paulo (R$ 2.063) e Rio de Janeiro (R$ 1.754). Nas capitais, Florianópolis ficou na frente (R$ 4.215), seguida de Porto Alegre (R$ 3.775) e Vitória (R$ 3.736). Também tiveram destaque os municípios de Nova Lima, na Grande Belo Horizonte (R$ 8.897); São Caetano, na Grande São Paulo (R$ 4.698) e Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeuiro (R$ 4.192).

A menor declaração de patrimônio por habitante foi registrada no Maranhão (R$ 6,3 mil). Ao contrário, a maior é a do Distrito Federal (R$ 95 mil), onde há muita concentração de riqueza, liderada pelo Lago Sul (R$ 1,4 milhão). A renda apresentada no IRPF por habitante no Lago Sul é R$ 23.241. O valor, segundo a pesquisa, é três vezes maior que o alcançado em Nova Lima, o município mais rico do Brasil.

O estudo mapeia fluxos de renda e estoques de ativos dos mais ricos brasileiros a partir do último IRPF disponível. Para o professor Neri, a avaliação é útil para formulação de reformas nas políticas de impostos sobre a renda e sobre o patrimônio. “A gente lança informações que são úteis para desenho de reforma de imposto de renda, taxação sobre patrimônio, sobre herança”, disse.

Futuro
Neri avaliou que a perspectiva de melhoria na desigualdade é o pagamento de um novo Bolsa Família, que é importante para os mais pobres, com um orçamento maior este ano, mas para os anos seguintes ainda não está definido.

Ainda na redução de impactos da desigualdade, o professor citou a volta do Minha Casa, Minha Vida, reincluindo a população da faixa 1, que tem rendimentos menores. “Tem essa agenda social na base que é importante e determinante da desigualdade”, disse.
Edição: Fernando Fraga

Projeto de Melo prevê concessão de 138 hectares de parques públicos

A drenagem, que é o problema mais sério da Redenção, não é contemplada no projeto. O parque tinha um eficiente sistema de drenagem implantado há mais de 40 anos, mas ele se deteriorou completamente. Na vistoria feita pela equipe da FGV que trabalhou no projeto de viabilidade da concessão, constatou “algumas áreas alagadiças… no gramado e nos caminhos de saibro. Foram encontrados ralos, mas estes estavam já com altura incapaz de captação de água, pois estavam muito acima do piso”. Um projeto para recuperação do sistema de drenagem, feito há mais de dez anos, estimou em R$ 10 milhões o custo.

A pesquisa ideal, se baseia nos conceitos de Observação Urbana de Jan Gehl e Active Design Guidelines e foram observados sete critérios de análise nos espaços urbanos do Parque Farroupilha:
Segurança: Nos sentimos seguros no local, mas não foram avistados policiais;
Proteção: Nos sentimos protegidos no local, mas não encontramos locais onde nos proteger da chuva ou do sol, por exemplo;
Acessibilidade: O Parque é bem no centro histórico, muito acessível;
Diversidade/Versatilidade: O espaço é diverso, é versátil, recebe feiras nos finais de semana;
Atratividade: O local é atrativo, recebe eventos em datas específicas;
Conectividade: O parque é eixo de conexão da cidade antiga histórica para a parte nova;
Resiliência/Sustentabilidade: O parque não tem capacidade de resiliência ou cuidados com a sustentabilidade.
Os levantamentos sensoriais também foram realizados em dois períodos: dia útil e finais de semana.

Entre as ocorrências, foram registradas 170 espécies de aves, considerando todos os oito parques
estudados. Somente no Parque Farroupilha foram registradas 63 espécies, entre elas, biguá,
garças, pombos, beija-flores, gaviões, suiriri, savacu, sabiá, sanhaçus e muitas outras.

Vale lembrar que, ainda que tenha sido vetado, o Art. 10º da Lei 12.559/2019, que autoriza o Executivo
Municipal a conceder Praças e Parques Urbanos do Município de Porto Alegre, citava que: “Fica
obrigatória a reserva de espaço para área de lazer entre tutores e suas mascotes (cachorródromos), bem como a manutenção daqueles já existentes, em locais com espaço físico suficiente, sem cobrança”. Não na forma de obrigação legal, tal aspecto merece atenção e planejamento especial ao futuro Concessionário dos Parques, visto sua importância aos usuários dos parques, tutores de seus Pets, e a frequência com que os cachorródromos são utilizados nos diferentes parques. Considerando a ocorrência de diversos exemplares da fauna silvestre, torna-se necessário que o Concessionário desenvolva um plano voltado ao estabelecimento de procedimentos ligados a esses
animais, alinhado ao modus operandi da Equipe de Fauna da SMAMUS (setor de atendimento de
fauna silvestre), de modo a padronizar as formas de ocasionais atendimentos, resgate, manejo e
orientações às possíveis ocorrências, sem ferir a legislação, ou gerar riscos aos usuários, colaboradores e ao bem-estar animal.

Toda a vegetação hoje existente no Parque Farroupilha tem origem nos projetos de paisagismo em que o parque foi contemplado, não havendo fragmentos de matas nativas na área. A vegetação do
Parque Farroupilha conta com mais de 8.500 árvores de várias dezenas de espécies, entre nativas e exóticas, como ipês, louro, acácia, angico, várias frutíferas, casuarina, cedro, cinamomo, cipreste, corticeira do banhado, espatódia, eucalipto, jacarandá, figueira,gGuapuruvu, hibisco, palmeiras, pau-brasil, pau-ferro, sibipiruna e dezenas de outras.
Além do paisagismo que compõe o Parque Farroupilha, que normalmente é feito com base em
espécies exóticas ornamentais, o parque ainda conta com inúmeras espécies nativas como o camboatá (Cupania oblongifolia), chal-chal (Allophylus edulis), paineira (Chorisia speciosa), entre outras espécies nativas dos biomas Pampa e Mata Atlântica.
O parque ainda conta com uma espécie muito usada em medicina tradicional, a melaleuca
(Melaleuca leucadendra), espécie pertencente à família dos eucaliptos, originária da Austrália, que possui muitas propriedades medicinais.
Existem exemplares arbóreos que necessitam de alguma atenção quanto ao estado fitossanitário,
pois apresentam risco de queda devido a enfermidades, porém a grande maioria das árvores
apresenta-se saudável.
Foram observadas algumas árvores mortas no parque. Algumas já retiradas, outras secas e ainda
de pé. Cabe avaliar o motivo da morte desses indivíduos e atuar para a correção de solo, da drenagem, nutrientes ou pragas, se esses forem os casos, além de ser providenciada sua reposição. Da mesma forma, apesar de muitas tipuanas, guapuruvus e eucaliptos grandes ainda se encontrarem saudáveis, deve-se planejar o plantio de novos indivíduos, para que quando estes
caírem, e isso pode até ser em série, não fiquem grandes clareiras, percebidas pelos usuários, ou
mesmo, que galhos propensos à queda sejam identificados e avaliados quanto ao risco aos usuários.

Para o atendimento à Lei Complementar nº 757/2015, em seu Art. 2º – “A supressão, o transplante
ou a poda de vegetais deverão ser precedidos de autorização emitida pela Smam, observadas as
exceções previstas nesta Lei Complementar, devendo ser considerada a nidificação habitada”, fica clara a prática de solicitação de autorização para atividades dessa natureza. Assim, para os casos
de plantios de árvores, o concessionário deverá submeter seu plano (laudo técnico, com
localidades, espécie, características principais, manejo etc.) à SMAMUS para análise da viabilidade de plantio de árvores em praças e parques, atendendo ao procedimento estabelecido entre ambos,
salvo as exceções previstas na Lei.
Conforme a Lei Complementar nº 757/2015, em seu Art. 9º – “A supressão de vegetal, nativo ou exótico, dependerá da autorização da Smam [SMAMUS], por meio da expedição de documento denominado Autorização Especial de Remoção Vegetal – AERV, sendo obrigatória a realização de compensação vegetal, por meio do CCTSA [Certificado de Compensação por Transferência de Serviços Ambientais] ou pela firmatura de TCV [Termo de Compensação Vegetal], conforme o caso e de acordo com as quantidades previstas no Anexo I desta Lei Complementar”.

Há relatos de que a rede de drenagem do Parque Farroupilha necessita de adequação e
manutenção, visto ser esta subdimensionada, estar comprometida, com erosão e acúmulo de água, dificultando a manutenção das áreas preservação das edificações e favorecendo a reprodução de insetos. Considerando que tais informações datam de 2003, deve ser verificado se foram realizados serviços na drenagem nos últimos 18 anos, ou, em caso contrário, atribuir tal encargo ao futuro Concessionário.
Considerando que o Parque Farroupilha se localiza em área central do município, é de se esperar
que as ligações de água e esgotos dos banheiros, restaurantes e bares existentes estejam adequadamente ligadas às respectivas redes. Todavia, vale considerar que, caso algum banheiro não esteja ligado à rede de esgotos do DMAE (podem existir antigas fossas, apesar de improvável),
a solução dada deve atender as normas e padrões de saneamento, qualquer que seja o sistema
adotado, não sendo aceitos nenhum tipo de vazamentos que possam colocar os usuários em risco
sanitário.
O Parque Farroupilha conta com  dezenas de ambulantes e vários permissionários fixos de serviços, como de bebidas, sorvetes, trenzinho, pedalinho, parque de diversões, lojas de artesanato e restaurantes. Caberá a avaliação de cada um dos contratos, reposicionamentos e
reavaliações para que tais atividades possam se tornar unidades geradoras de caixa a valor de mercado.
A cancha de bocha carece de alguma requalificação, entendida como uma atividade tradicional e importante para os munícipes, devendo, todavia, passar avaliação de uso pelos frequentadores do parque, estabelecimento de contrato de permissão ou cessão do espaço público, entre outros pontos.
Os eventos realizados no Parque Farroupilha geraram pouco mais de R$ 78.000,00 em 2018, tendo sido os maiores valores originados em shows, ações publicitárias, educacionais e de saúde, respectivamente, representando mais de 95% da arrecadação.
Novas atividades alternativas, como as de “aventura”, podem ser pensadas para geração de caixa, como arvorismo, trilhas suspensas e tirolesa, promovendo a atração de um público formado por famílias com filhos jovens, para um uso diferente do Parque, daquele que se tem hoje. Há locais que, em princípio, apresentam bom suporte a tais atividades, devendo ser melhor avaliado posteriormente.

Conforme o documento “Diagnóstico e Proposições do Parque Farroupilha”, elaborado pela Coordenação de Áreas Verdes da SMAMUS.
Em especial, o portão de acesso e equipamentos “Parque” do Ramiro Souto, em uma das
extremidades do Parque Farroupilha, necessitam de manutenção e recuperação, de modo que, por
suas características, pode-se viabilizar atividades geradoras de caixa no espaço, sem, porém, conflitar com as atividades gratuitas ali realizadas hoje.

Os dois estacionamentos existentes dentro dos limites do Parque deverão ser explorados para geração de caixa, apesar de serem áreas de pequenas dimensões.
O “redário” (suportes metálicos para fixação de redes) existente parece não ser muito utilizado, ao menos durante os dias úteis, mas com interessante potencial de utilização.

Áreas com pouco uso representam oportunidades de geração de caixa, ou mesmo de requalificação da estrutura para uma melhor experiência do usuário. Nesses ambientes podem ser desenvolvidas
atividades de educação ambiental, permissão para café, entre outras alternativas potencialmente viáveis. O próximo relatório deverá analisar essa questão, em especial, referente ao Postinho, Minizoo, Orquidário, Embarcadouro, Ilha e outras áreas.

A inexistência de Planos Diretores aprovados para cada um dos parques urbanos pode se tornar um fator crítico, ou até mesmo um empecilho às concessões, a exemplo do ocorrido no Parque Ibirapuera, em São Paulo, onde uma Ação Civil Pública do Ministério Público e outra Ação
Popular foram impetradas exigindo que a elaboração do Plano Diretor do Parque Ibirapuera antecedesse sua Concessão, condicionando a assinatura do contrato de Concessão à conclusão do Plano. Nesse sentido, há de se estabelecer estratégias de mitigação desse risco, quer seja dando-se início à elaboração dos Planos, ou mesmo desenvolvendo acordos para eliminação dessa eventual insegurança jurídica.
As aves são, sem dúvida, os representantes da fauna com maior diversidade e riqueza nos Parques Urbanos de Porto Alegre. Mesmo que com ocorrências moderadas, de modo geral, não há grandes diferenças funcionais e estruturais entre a avifauna de parques urbanos e naturais da região, como por exemplo, quando comparado com a Reserva Biológica do Lami, onde os
agrupamentos onívoros e insetívoros também se apresentam predominantes. Assim, pode ser
interessante avaliar o desenvolvimento de programas ligados à avifauna nos parques.

Problemas de drenagem impedem a população de transitar depois de chuvas; falta de iluminação à noite;
falta de segurança; falta de lixeiras; mais eventos culturais; gestão de eventos: maior controle, fiscalização e desenvolvimento de um zoneamento;
gestão de estacionamentos: falta fiscalização (lavagem de carros pelos flanelinhas e quebras dos bebedouros).
Gestão do Parque Ramiro Souto: ações conjuntas com o departamento de esportes para a
recuperação da estrutura física do espaço (grande necessidade);
Sugere ainda a criação de logomarca do parque; criação de site oficial e redes sociais do parque; resgates histórico dos recantos; e criação de projeto de sinalização.

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#ParqueFarroupilha #Redenção #Lami #SebastiãoMelo #FGV

Economistas a Lula: “teto de gastos é falácia”, problema é a dívida que “está ausente do debate”

A carta que três economistas – Pedro Malan, Armínio Fraga e Edmar Bacha – enviaram a Lula advertindo para os riscos de abolir o “teto de gastos” para fazer políticas sociais, gerou uma resposta de outros quatro economistas: José Luis Oreiro, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Luiz Fernando Rodrigues de Paula, Kalinka Martins da Silva e Luiz Carlos Garcia de Magalhães também enviaram uma carta ao futuro governante para apoiá-lo nas críticas ao teto de gastos. Dizem que  o teto de gastos é “uma falácia” e lembram que a dívida pública deve entrar na discussão sobre o equilíbrio fiscal.

“No debate sobre o ajuste fiscal no Brasil existe um elemento ausente, a saber: os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Em 2022 os gastos com juros serão de mais de R$ 500 bilhões, devendo ultrapassar os R$ 700 bilhões no próximo ano. Trata-se da segunda maior rubrica do orçamento público, ficando atrás apenas dos gastos com previdência social”.

“Esse volume de pagamento de juros é o maior programa de transferência de renda do mundo, só que é uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais ricos de nossa população”

Leia a íntegra da carta:

Carta aberta ao presidente

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente Eleito da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva

Prezado Presidente Lula,

Nós os pesquisadores e economistas abaixo assinados gostaríamos inicialmente parabenizá-lo pela sua eleição ao cargo de Presidente da República Federativa do Brasil no último dia 30 de outubro de 2022. Sua eleição representou o triunfo da civilização e da democracia contra a barbárie e a ameaça autoritária de Jair Bolsonaro. Todos nós ficamos muito felizes e aliviados pelo desfecho do processo eleitoral bem como pelo reconhecimento por parte dos governos das nações civilizadas da sua vitória incontestável no pleito.

Nossa intenção com esta carta, além de parabenizá-lo pela sua vitória, é fazer um contraponto a carta recentemente endereçada a Vossa Excelência pelos economistas Armínio FragaEdmar Bacha e Pedro Malan. A parte da defesa da civilização e da democracia que os citados economistas fizeram em sua carta, discordamos do início ao fim da missiva escrita por eles.

Na carta enviada a Vossa Excelência, os economistas supracitados se opõem ao seu compromisso de campanha de revogar o Teto de Gastos, o qual na interpretação de Vossa Excelência, a qual é compartilhada por nós, estaria impedindo o aumento dos gastos com saúde, educação, assistência social e investimento em infraestrutura. Para Fraga, Bacha e Malan o teto de gastos teria desempenhado no Brasil um papel fundamental no sentido de garantir a “responsabilidade fiscal”, a qual é fundamental para manter a inflação sobre controle ao assegurar a confiança do “mercado” nas políticas econômicas do governo. Tais economistas afirmam também que a revogação do teto de gastos jogaria o país numa espiral inflacionária devido os efeitos da desvalorização da taxa de câmbio, o que produziria um arrocho salarial, com efeito negativo para a classe trabalhadora.

A ideia de que o teto de gastos é fundamental para garantir a disciplina fiscal é uma falácia. Em primeiro lugar, o teto de gastos se mostrou incapaz de impedir que o Governo Bolsonaro não apenas realizasse um volume de gastos de R$ 795 bilhões extra teto em 4 anos, como não impediu a criação de novos gastos públicos a menos de seis meses das eleições, algo que é explicitamente vedado pela legislação eleitoral. Deste modo, o teto de gastos não impediu o maior populismo eleitoral da história da República sob o governo de Jair Bolsonaro, com enorme complacência do mercado financeiro.

Fraga, Bacha e Malan argumentam que o Brasil paga taxas de juros altíssimas porque o Estado não é percebido com um bom devedor. Essa afirmação está equivocada. A avaliação de mercado sobre o risco envolvido em emprestar dinheiro para governos soberanos pode ser medida, entre outras formas possíveis, pelo EMBI + calculado pelo Banco J.P. Morgan. No dia 02 de janeiro de 2002, primeiro dia útil do seu primeiro mandato como Presidente da República, Vossa Excelência herdou do governo anterior – no qual trabalharam Fraga, Bacha e Malan – um risco país medido pelo EMBI + de 1527 p.b, ou seja, um spread de 15,27 % sobre a taxa de juros dos títulos da dívida pública norte-americana de idêntico prazo de maturidade. No dia 31 de dezembro de 2010 o risco país havia se reduzido para 189 b.p; prova inconteste da confiança do “mercado” na responsabilidade fiscal do seu governo. O teto de gastos foi aprovado em segundo turno no Senado Federal no dia 13 de dezembro de 2016, data na qual o risco país medido pelo EMBI + do J.P. Morgan se encontrava em 324 b.p, valor 71,42% acima do registrado do último dia de governo do seu segundo mandato como Presidente da República. No primeiro dia útil do governo de Jair Bolsonaro o risco país se encontrava em 275 p.b, valor apenas 15% inferior ao observado no dia da aprovação da Emenda Constitucional do Teto de Gastos pelo Congresso Nacional, mas 45,5% superior ao verificado em 31/12/2010, último dia do seu segundo mandato como Presidente da República. A avaliação do mercado, tal como expressa nos preços dos títulos da dívida pública transacionados nos mercados internacionais, é claríssima: o teto de gastos não foi capaz de reduzir o risco país, mesmo antes dos “estouros do teto” patrocinados pelo governo Bolsonaro, aos valores verificados ao final do seu segundo mandato presidencial.

Na carta endereçada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan também afirmam que a elevação da inflação ocorrida entre 2021 e 2022 foi o resultado do descontrole dos gastos públicos patrocinado pelo governo Bolsonaro, o qual “furou” o teto de gastos em R$ 117,2 bilhões em 2021 e R$ 116,2 Bilhões (previsto) para o ano de 2022. Esse é outro equívoco na carta dos economistas supracitados. A elevação da inflação não foi um fenômeno restrito ao Brasil e tampouco deve-se ao desequilíbrio fiscal. Com efeito, a pandemia de covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia foram eventos extraeconômicos que geraram um enorme choque de oferta a nível mundial, quer pela desorganização das cadeias globais de valor (caso da pandemia) quer pelas restrições impostas a exportação de petróleo, gás, soja, milho e trigo por conta dos desdobramentos do conflito da Ucrânia. Esse choque de oferta global produziu um aumento dos preços dos produtos intermediários, energia e alimentos que está alimentando a escalada inflacionária em todo o mundo. A inflação acumulada em 12 meses na União Europeia, calculada em outubro de 2022, se encontra em 11,25%, quase o dobro do valor observado no mesmo período para o Brasil. Na austera Alemanha a inflação se encontra em 11,6% no acumulado em 12 meses. Nos Estados Unidos a inflação acumulada em 12 meses está em 7,7% (dados de outubro de 2022). A política fiscal e monetária do Brasil tem capacidade muito restrita de intervir num processo inflacionário que é gerado fora do país.

No final da carta encaminhada a Vossa Excelência, Fraga, Bacha e Malan afirmam que o problema da falta de recursos para saúde, educação, assistência social e investimento público não são decorrência do teto de gastos, mas da falta de prioridade dada pelo governo a essas áreas. Isso é uma meia verdade. Com efeito, é inegável que o governo de Jair Bolsonaro, tendo Paulo Guedes como Czar da Economia, só deu atenção a assistência social quando isso lhe era eleitoralmente conveniente. Quanto a saúde e educação os números de mortos durante a covid-19 e a falta de recursos para pagar a merenda escolar falam por si mesmos. Mas o teto de gastos é um elemento que impõe um esmagamento de médio e longo-prazo sobre o orçamento dedicado a essas áreas. Isso porque ao congelar em termos reais por um período de 20 anos, a contar de 2016, os gastos primários da União o crescimento puramente vegetativo dos gastos com previdência social, os quais mesmo após a reforma previdenciária continuam crescendo 3% a.a em termos reais, faz com que os demais itens do orçamento da União atuem com variável de ajuste para fechar o orçamento, comprimindo os mesmos. Durante o governo Bolsonaro, além da redução do investimento público e dos recursos destinados as áreas de saúde e educação, a folha de salários dos servidores (ativos e inativos) da União foi reduzida de uma média de 4,4% do PIB durante os governos Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma e Temer para menos de 3% do PIB em 2022. Isso porque o governo Bolsonaro, ao não conceder reajuste aos servidores públicos nos últimos 4 anos, fez com que a inflação corroesse o valor real dos salários dos servidores da União. O problema é que esse processo de ajuste das demais rubricas do orçamento público chegou ao limite. Não é mais social e politicamente possível reduzir o investimento público, ou os gastos com saúde e educação, ou manter congelados os salários dos servidores públicos. Em outras palavras, o teto de gastos é inviável. Essa é a razão pela qual deve ser substituído por uma nova regra fiscal, cuja definição deverá ser feita a partir do momento em que Vossa Excelência assuma efetivamente, pela terceira vez, o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.

Para finalizar esta carta, gostaríamos de fazer um alerta a Vossa Excelência. No debate sobre o ajuste fiscal no Brasil existe um elemento ausente, a saber: os gastos com o pagamento de juros da dívida pública. Em 2022 os gastos com juros serão de mais de R$ 500 bilhões, devendo ultrapassar os R$ 700 bilhões no próximo ano. Trata-se da segunda maior rubrica do orçamento público, ficando atrás apenas dos gastos com previdência social. Esse volume de pagamento de juros é o maior programa de transferência de renda do mundo, só que é uma transferência de renda de toda a sociedade para o 1% mais ricos de nossa população. Não existem soluções mágicas para o problema dos juros como tem sido sustentada, por exemplo, pela famosa “auditoria cidadã da dívida”. Por outro lado, o volume pago com juros não decorre de um elevado endividamento público como proporção do PIB (atualmente em 77,12% do PIB segundo dados do Banco Central do Brasil para setembro de 2022). A título de comparação a Espanha tinha, em março de 2022, uma dívida pública como proporção do PIB de 117,7%, mas paga apenas 2% do seu PIB como juros sobre a dívida pública. Não existe uma relação direta entre o tamanho da dívida pública como proporção do PIB e o custo de carregamento da dívida pública, o qual é, em larga medida, determinado pela política monetária conduzida pelo Banco Central.

Todo o complexo de taxas de juros no Brasil é uma anomalia na comparação com o resto do mundo. Nos últimos 30 anos o Brasil não apenas exibiu uma das mais altas, se não a mais alta, taxa básica de juros do mundo; como também as maiores taxas de juros sobre empréstimos bancários e cartões de crédito. Nosso sistema financeiro é gigante e disfuncional, pois não atua como criador de crédito e de financiamento do investimento e do consumo do setor privado; mas como corretor dos rentistas que vivem às custas do financiamento da dívida pública. No Brasil a verdadeira luta de classes não é entre capital e trabalho, mas entre o capital financeiro, de um lado, e os trabalhadores e o capital produtivo do outro. Esse é o conflito de classes que Vossa Excelência deverá arbitrar a partir do dia 01 de janeiro de 2023. Neste contexto, entendemos ser absolutamente legítimo e viável abrir espaço no orçamento para viabilizar gastos públicos imprescindíveis para o enfrentamento da enorme crise social e econômica que o país está passando. Isto deverá ser combinado, quando estiver empossado, com a adoção de uma nova regra fiscal que combine flexibilidade na execução do orçamento com sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo.

Era isso o que queríamos comunicar a Vossa Excelência. Sem mais por hora nos despedimos cordialmente, com sinceros votos de sucesso em seu terceiro mandato como Presidente da República.

José Luis da Costa Oreiro (UnB, Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)

Luiz Fernando Rodrigues de Paula (UFRJ, Vice-Líder do Grupo de Pesquisa Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento)

Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV-SP, Professor Emérito)

Kalinka Martins da Silva (IFG, Professora)

Luiz Carlos Garcia de Magalhães (IPEA, Técnico)