Colaboraram: Lorenzo Panassolo, Caroline Tentardini, Lucas Lanzoni, Lianna Kelly Kunst, Stephany Foscarini, Thiago Greco, André Martins e Pedro Hameister
Beta Redação *
O meio ambiente é, historicamente, pauta de discussões. O ano de 2019 deixou latente problemas recorrentes, como as queimadas na floresta Amazônica e o derrame ilegal de óleo no mar. Infelizmente, essas discussões ganharam destaque com a ocorrência de tragédias de grandes proporções que repercutiram internacionalmente. Mas além desses eventos (inesperados ou não), o Brasil precisa se preocupar com as suas áreas de preservação de mata nativa.
Segundo estudo publicado pela Embrapa, em 2018, mais de 60% da vegetação nativa brasileira estava protegida, metade dela no interior de propriedades particulares, como fazendas. O estudo “Why Brazil needs its Legal Reserves”, publicado pela revista Science Direct, foi elaborado por mais de 400 pesquisadores e mostrou como a preservação dentro das propriedades privadas influencia, positivamente, a agricultura e a economia.
No Rio Grande do Sul, o Inventário Florestal de 2018 indica que a área verde total chega a 4 milhões de hectares, o equivalente a 15% do território do estado. O estudo também chama a atenção para a venda ilegal de madeira nativa e para a destruição de mata preservada, nem sempre impedidas pelos órgãos de proteção ambiental.
As Áreas de Proteção Ambiental respondem por 83% das florestas existentes em Unidades de Conservação (UC). Já as que apresentam maior proporção de floresta por unidade de área são os Monumentos Naturais (100%) e os Refúgios de Vida Silvestre (91%).
Ainda segundo o Inventário, o Rio Grande do Sul tem 653.977,63 hectares de área protegida em Unidades de Conservação (UC). Isso corresponde a 2% do território do estado, que abrange 41 UCs: nove federais, 18 estaduais, sete municipais e sete reservas particulares. Do total das áreas protegidas, 40% são áreas florestais, o que corresponde a 259.030,57 hectares. As Áreas de Proteção Ambiental respondem por 83% das florestas existentes em UCs. Já as regiões que apresentam maior proporção de floresta por unidade de área são os Monumentos Naturais (100%) e os Refúgios de Vida Silvestre (91%).
Áreas de Preservação
O Rio Grande do Sul possui cerca de 653.977,63 hectares de área protegida em Unidades de Conservação (UC). Isso corresponde a 2% do território do estado.
Do total das áreas protegidas, 40% são de floresta, mais ou menos 259.030,57 hectares.
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Levantamentos municipais
Para fazer um levantamento de áreas preservadas no Rio Grande do Sul, a Beta Redação entrou em contato com as Secretarias de Meio Ambiente de dez cidades, todas com 200 mil habitantes ou mais. As secretarias se baseiam no Código Florestal para definir o que é uma Área de Preservação Permanente.
Em Alvorada, o engenheiro civil Felipe Gauze Bowns disse que a prefeitura não tem um levantamento de quantas APPs existem na cidade. “São muitos arroios e o Rio Gravataí. Toda área de 30 metros a partir dos cursos d’água e nascentes são considerados Áreas de Preservação”, explica. As duas principais APPs da cidade são a área da Várzea do Rio Gravataí e a Lagoa do Cocão.
A primeira possui uma área de preservação de 100 metros nas margens, já que a sua geografia favorece a ocorrência de alagamentos. A Lagoa do Cocão, que tem sua nascente em área urbana, chama atenção pela recente revitalização.
Em Gravataí, município com mais de 280 mil habitantes, o cenário é parecido com o de Alvorada: não existem dados exatos sobre a quantidade de áreas preservadas. A mais importante APP da cidade, contudo, é a Reserva Ecológica Banhado Grande, que totaliza 3,3 mil hectares e se localiza ao longo do Rio Gravataí até a divisa com Glorinha.
A principal Área de Preservação Permanente de Canoas é um lago formado por nascentes, que dá início ao Arroio Guajuviras, localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) Fazenda Guajuviras. A APA compreende cerca de 560 hectares e se destaca pela preservação do local.
São Leopoldo tem uma estimativa populacional de 236 mil habitantes, segundo matéria do Jornal VS baseada em dados do IBGE. Suas Áreas de Preservação estão divididas em duas macrozonas: a Leste e a Oeste. De acordo com diretor de Áreas Protegidas e de Gestão e Planejamento da Secretaria do Meio Ambiente (Semmam), Joel Garcia, a cidade conta com um Sistema Municipal de Áreas Protegidas que “prevê toda a gestão das áreas ambientais, sendo as mais importantes os 4 mil arroios e banhados do Rio dos Sinos”.
Segundo Joel, o município entende como APP as margens preservadas ao longo de 30 metros do Rio dos Sinos. O crescimento urbano nas áreas de inundação do rio ocasionou a divisão das áreas protegidas em Leste e Oeste. A Macrozona Oeste tem como principal APP o Parque Natural Municipal Imperatriz Leopoldina, onde existe uma UC para a proteção de 170 hectares em recuperação. Inaugurado em 2006, o ambiente é um exemplo de recuperação ambiental.
“Ali moravam mais de 230 famílias vivendo em péssimas condições, agora realocadas para o bairro Tancredo Neves. Depois disso, foram retiradas 1.194 toneladas de resíduos para recuperar o parque”, esclarece Joel.
Em 2018, São Leopoldo integrou o Sistema Estadual de Unidades de Conservação, quando a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) cadastrou o Parque Natural Municipal Base Ecológica do Rio Velho. Além dessa base, existem outras três unidades que compõem o município: Matinho do Padre Reus, Parque Natural Municipal Mata do Daniel e Unidade de Conservação Rebil Scharlau.
O superintendente de Licenciatura, Controle Ambiental e Animal de Santa Maria, Gerson Peixoto, informou em entrevista que, no momento, o município passa por um processo de levantamento de todas as áreas de preservação. Contudo, estima, a cidade tem cerca de 25 UCs. Entre elas, se destaca a APP Parque Natural Municipal dos Morros, que por se localizar distante da zona urbana, acaba não sendo tão afetado pela presença humana. Apesar da grande quantidade de UCs em Santa Maria, a maioria fica em perímetro urbano, sendo utilizada para a construção de moradias irregulares. Com poucos agentes ambientais, o município não consegue agir antes que as APPs sofram com os processos de ocupação.
Em Porto Alegre, o Diretor-Geral de Desenvolvimento Urbano e Sustentável da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, biólogo Marcelo Grunwlad, destaca três UCs como as principais: a Reserva Biológica do Lami José Lutzemberger, o Refúgio de Vida Silvestre São Pedro e o Parque Natural do Morro do Osso.
“Essas localidades estão situadas dentro de Unidades de Conservação. Ou seja, têm limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”, pontua Grunwald.
A Reserva Biológica do Lami foi criada em 1975 e, atualmente, possui uma área de cerca de 200 hectares. Aproximadamente, 300 espécies de aves já foram registradas na reserva, entre as quais, várias são migratórias. Os banhados e juncais servem como berçários para muitos organismos aquáticos, como peixes, anfíbios e moluscos. Nas elevações arenosas podem ser encontrados ovos de cágados.
O Refúgio de Vida Silvestre São Pedro foi criado em 2014 e é habitat de espécies animais raras e ameaçadas de extinção, como o mão-pelada, o graxaim e o bugio-ruivo. Ele está inserido no maior fragmento de Mata Atlântica de Porto Alegre, com vegetação florestal e campestre.
O Parque Natural Morro do Osso tem uma área de 127 hectares e está localizado no Morro do Osso. Aproximadamente, 60% da vegetação natural do parque é constituída por formações florestais de dois tipos: a floresta alta e a floresta baixa. O restante é constituído por comunidades herbácea-arbustivas, formadas pelos campos pedregosos e pelas capoeiras e vassourais.
Em Passo Fundo, o Chefe do Núcleo de Fiscalização e Licenciamento Ambiental, Glauco Roberto Marins Polita, cita três importantes áreas de preservação. O Parque Pinheiro Torto e o Parque Arlindo Haas estão em processo de regularização fundiária e possuem plano de manejo. O Parque da Gare, por sua vez, está devidamente estruturado, e é considerado o espaço de maior relevância dentre o patrimônio histórico da cidade.
O Parque Natural Municipal do Pinheiro Torto abrange uma área de quase 32 hectares, e foi a primeira UC de Proteção Integral instituída pelo Poder Público de Passo Fundo. Por estar inserido na microbacia hidrográfica de mesmo nome, ele garante proteção necessária de importantes ambientes compostos por maciços florestais, campos sulinos, banhados, nascentes e o corpo hídrico formador da bacia hidrográfica do Rio Jacuí.
O Parque Urbano Municipal Arlindo Hass engloba uma área de 23 hectares e é uma importante área florestal, localizado junto ao Distrito Industrial Invernadinha. O espaço foi transformado em parque para incentivar a preservação dos ambientes naturais, com destaque para os remanescentes de Mata de Araucárias e de Campos Sulinos.
Em relação às APPs em Novo Hamburgo, a bióloga e diretora de Licenciamento Ambiental, Viviane Corteletti, não sabe quantificar o número exato, pois margens de arroios e topos de morros podem ser considerados. Porém, ela aponta o Parque Municipal Henrique Luís Roessler, conhecido como Parcão. Além desta UC, o destaque vai para os arroios em Lomba Grande e o Morro da Fundação, em Hamburgo Velho.
Segundo a bióloga, atualmente há locais em Novo Hamburgo que passam por processo de restauração. “Em alguns casos, temos atividades e residências irregulares, mas estão sendo feitos planos de regularização fundiária”, esclarece a bióloga.
A bióloga e Fiscal Ambiental da Secretaria de Meio Ambiente de Rio Grande, Daiane Marques, indica que a cidade tem três APPs. “Hoje temos uma Área de Proteção Ambiental, a APA da Lagoa Verde, legalmente instituída na modalidade de uso sustentável. Estamos em fase de instituição de outra UC, potencialmente na categoria Parque Municipal, bem como implementando o Sistema Municipal de Unidades de Conservação, um dos programas previstos no Plano Ambiental do município. Em nível estadual temos o Banhado do Maçarico e, em nível Federal, a Estação Ecológica do Taim”, destaca.
Para Daiane, a Reserva Ecológica do Taim é uma das mais importantes áreas pelo aporte financeiro e recursos humanos mobilizados em torno dela. “Abriga uma grande biodiversidade, sendo uma das últimas áreas verdes preservadas no município e que sofre grande pressão antrópica”, acrescenta.
De acordo com o secretário de Meio Ambiente de Viamão, Gilberto Fraga, a cidade conta com 6 mil açudes, três bacias hidrográficas (a bacia do rio Gravataí, bacia do rio Guaíba e bacia do Litoral Médio), três comunidades indígenas (Estiva, Cantagalo e Horto Florestal), e três quilombos (Peixoto dos Botinhas, Cantão das Lombas e Anastácia). O Parque Estadual de Itapuã, localizado no município de Viamão, a 57 Km de Porto Alegre, é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral e abriga uma das últimas amostras dos ambientes originais da Região Metropolitana. O Parque foi reaberto em abril de 2002, após permanecer fechado por mais de dez anos para a recuperação de seus ecossistemas e sua estruturação administrativa.
O que precisa mudar
As Áreas de Preservação Permanente são uma ideia antiga e mal compreendida no Brasil, único país que tem essa figura na legislação. Conforme o agrônomo Arno Leandro Kayser, o planejamento dessas formas de preservação começou há bastante tempo, mais precisamente na época do Brasil Colônia.
“O rei Felipe de Portugal decretou as faixas junto aos rios como propriedade da Coroa e que só poderiam ser cortadas por ordem do rei. Esse decreto visava garantir madeira para a manutenção da frota real, base do poder do Império”, elucida.
Essa ideia foi adaptada na criação do primeiro Código Florestal Brasileiro, em 1934, como um instrumento de proteção ambiental. “A fiscalização para o seu cumprimento começou na época, mas sempre enfrentou resistência no meio rural e a quase total ignorância no meio urbano”, relata Kayser.
O Código Florestal foi atualizado com a criação da Lei 4.771, em 15 de setembro de 1965, tornando-se mais rigoroso e completo em relação ao cultivo do solo.
Unidades de Uso Sustentável
Para a doutora em Arquitetura e Urbanismo, Cibele Vieira Figueira, a questão ambiental não está relacionada com a criação de mais leis, mas sim com o montante de investido nessa temática. “Talvez um dos grandes entraves é que o governo vigente encara algumas questões como diretrizes focadas na temática ambiental. O orçamento é para isso, mas engloba muito mais do que o trabalho de fiscalização”, explica Cibele, que também é professora e pesquisadora na área de urbanismo na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
Por esse motivo, muitas das áreas reservadas para preservação acabam sendo ocupadas de forma ilegal, por famílias em situação de vulnerabilidade social. “Essa área perde sua proteção e acaba sendo prejudicada”, arrola. “Essas situações são difíceis de regularizar em função de problemas econômicos e sociais que enfrentamos”.
Fabian enfatiza que outro agravante da questão ambiental é que o seu gerenciamento depende da coordenação entre União, Estado e Municípios. “Por exemplo, sobre a poluição das águas: quando um determinado rio passa por diversos estados, a competência é da União, embora não deixe de ser também dos municípios e dos estados. Contudo, o controle e a atribuição das responsabilidades é, digamos assim, diluída, deixando margem para vazios de responsabilidade administrativa”, assinala.
Para ele, representantes que veem a origem do problema na legislação estão prestando um desserviço. Essa ideia cria espaço para empresas e indivíduos se sentirem no direito de danificar o meio ambiente, sem medo de que as leis sejam aplicadas. “Tal caso é observável com o esvaziamento de órgãos de controle ambiental, como o IBAMA e a FEPAM”, lamenta Fabian.
O agrônomo Kayser esclarece que, no Rio Grande do Sul, o Código Florestal Estadual está em vias de revisão. “Nosso estado foi o que mais devastou suas florestas. Temos pouco mais de 2% de florestas nativas e 5 % de matas em recuperação. Talvez mais de 50% delas estejam cortadas. Onde elas existem, cumprem uma série de serviços ambientais de proteção aos corpos d’águas, apoio à biodiversidade, harmonia paisagística, apoio da agricultura e despoluição”, explica.
Ele concorda com os demais especialistas ao afirmar que ainda é preciso investir na conscientização da população a fim de que ela entenda a importância de proteger as áreas existentes e recuperar as que foram destruídas. “Para isso, é importante uma fiscalização eficiente, educação ambiental e pressão da população”, finaliza.
Cibele lembra que as APPs protegem principalmente os recursos hídricos, fator de importância para o futuro da população. “Com o aumento populacional, a água é cada vez mais demandada, pois necessitamos dela tanto para o consumo como para irrigar as plantações. Por isso, cuidar do ambiente onde a água é produzida, gerada e fornecida é extremamente importante para o futuro das cidades”, ensina. “As APPs, nesse caso, têm uma relevância fundamental, porque nessas áreas se retém, se nutrem e se alimentam os nossos recursos hídricos”, explica.
Kayser destaca como positivo o trabalho realizado por entidades profissionais, órgãos públicos e escolas para reverter o quadro de degradação. Ele aponta, como exemplo, o Projeto Verdesinos de recuperação ambiental, coordenado pelo Comitesinos e pelo Ministério Público, no qual o Movimento Roessler de defesa ambiental tem participação. Muitos resultados positivos têm sido alcançados nesse processo, que já recuperou perto de 1 mil hectares de Áreas de Preservação Permanente no Vale dos Sinos.
*Os dados utilizados na matéria são procedentes do Ministério do Meio Ambiente, Inventário Florestal 2018 e levantados com as Secretarias Municipais de Meio Ambiente das cidades mencionadas.
* A Beta Redação integra diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em cinco editorias. Sob a orientação de professores, os estudantes produzem e publicam aqui conteúdos jornalísticos de diversos gêneros.