Três pacientes travam o fechamento do último hospital colônia do Brasil: “Nós não caminhamos sós”

Textos: Elmar Bones e Cleber Dioni tentardini
Fotos: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

O fechamento do Hospital Colônia de Itapuã que o governo do Estado vem preparando há dois anos foi suspenso pela Justiça na quarta-feira, 27/09, para garantir o direito dos três últimos ex-hansenianos permanecerem no lugar para onde foram levados compulsoriamente e onde vivem há mais de 50 anos.

Em 2021, quando foi iniciada a retirada gradativa dos últimos pacientes para o fechamento definitivo do hospital, restavam 17 ex-hansenianos.

Na última quarta-feira, a  decisão da Justiça de suspender a transferência deles para clínicas particulares, encontrou apenas os últimos três.

Outros 14 já estão em “residências terapêuticas”, casas adaptadas que também acolhem os pacientes com doenças mentais no HCI.

Essas casas são mantidas pela Prefeitura Municipal de Viamão, em convênio com o governo do  Estado.

A decisão de suspender qualquer tentativa de transferir os últimos pacientes atendeu pedido do Ministério Público Estadual, que vai também investigar as condições em que outros pacientes já foram removidos.  Eles poderão retornar, se quiserem.

Outra questão que o MP quer esclarecer é o destino da área que pertence ao hospital – 128 hectares encravados numa área de preservação permanente, junto ao Parque de Itapuã.

“Nós não caminhamos sós”

A lepra ainda assombrava a humanidade em 1940, quando o governo brasileiro começou a inaugurar uma rede de hospitais-colônias para confinar os portadores do mal incurável e que, se acreditava, podia contagiar até pelo ar.

Eles ainda eram chamados de “leprosos” e apedrejados nas ruas quando vistos fora dos locais onde viviam isolados para não transmitir a terrível maldição (“um castigo de Deus”) e poupar as comunidades do feio espetáculo daqueles corpos mutilados, cobertos por trapos.

A bíblica lepra hoje chama-se hanseníase, é uma enfermidade  curável, e os portadores são chamados hansenianos, em referência a Hansen, o  descobridor do bacilo que causa a doença e que abriu o caminho para a sua desmistificação.

O médico norueguês Gerhard Armauer Hansen identificou o bacilo causador de lepra em 1873, mas a cura só seria conhecida em 1941, quando ele morreu aos 70 anos. Foto: Universidade de Bergen.

Identificada a causa, logo descobriu-se que o contágio se dava pela saliva e outras secreções, mas não na intensidade e com o alcance imaginado. O isolamento como única forma de tratamento foi perdendo o sentido.

Em consequência, os 46 hospitais-colônias criados no Brasil para confinar os leprosos surgiram na contramão da história da doença. 

O Hospital Colônia de Itapuã foi o último. Começou a ser construído em 1937 e foi inaugurado em 11 de maio de 1940.

No ano seguinte, foi anunciada a cura da lepra e, em 1985, foi extinta a política de confinamento compulsório dos hansenianos.

Com diagnóstico precoce, a doença era curável e podia ser tratada em casa, mediante alguns cuidados. 

Nesse período,  2.474 pacientes foram internados à força no Hospital de Itapuã. De lá não sairiam, nem mortos.

Sete freiras da Ordem das Irmãs Franciscanas da Caridade e Piedade Cristã receberam os primeiros pacientes.

Mesmo com o risco de contrair a doença, outras cem irmãs franciscanas passariam por lá como voluntárias para o serviço no hospital.

As religiosas eram responsáveis pelo serviço de enfermaria, farmácia, padaria, cozinha, lavanderia, fábrica de sabão e outros serviços.

Também faziam a limpeza da igreja, onde se realizavam missas, casamentos e enterros, oficiados pelo frei Pacífico, outra figura lendária na história do HCI.

As irmãs franciscanas. Fotos: Arquivo Memorial HCI
As irmãs franciscanas
Frei Pacífico

 

 

 

 

Na década de 1950, quando o estigma da lepra ainda aterrorizava e os leprosos eram escorraçados, o HCI chegou a ter mais 600 pacientes (e outro tanto de funcionários). Era uma pequena cidade, quase autossuficiente, com 42 prédios de uso comum, três igrejas, uma escola, 44 casas de moradia, metade delas ocupadas por funcionários que trabalhavam diretamente na “área suja”, em contato direto com os pacientes. Eles também viviam confinados lá.

Nos 15 hectares delimitados para o hospital criava-se gado (chegou a ter 250 cabeças), funcionava um tambo de leite, um abatedouro, hortas, uma padaria e até um cassino, para jogos, bailes e atrações culturais.

Ruínas do tambo de leite
Calçados apropriados para os hansenianos

Os próprios pacientes fabricavam roupas, calçados e até próteses artesanais, de pé, mão, braço, as partes que a lepra primeiro destrói. Para os negócios internos havia até uma moeda.

Desse tempo, o que está mais preservado é o cemitério, que guarda os restos de todos os que um dia transpuseram aquele pórtico com a frase enigmática: “Nós não caminhamos sós”. Inclusive religiosos como o Frei Pacífico de Bellevaux – batizado Luis Narciso Place -, religioso francês que chegou ao Rio Grande do Sul em 1899. Foi co-fundador das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida e um dos idealizadores do hospital-colônia, onde foi capelão aos 67 anos. O “Anjo da Caridade”, título que recebeu de Dom Vicente Scherer, então Arcebispo de Porto Alegre,  por sua dedicação e proximidade com os doentes, faleceu em Porto Alegre, aos 84 anos. 

Capela do cemitério.

Últimos pacientes passam maior parte do tempo na enfermaria

Em 2021, quando foi iniciada a retirada gradativa dos últimos pacientes para o fechamento definitivo do hospital, restavam 17 ex-hansenianos.

Na quinta-feira, 28 de setembro de 2023, a decisão da Justiça de suspender a transferência deles para clínicas particulares, encontrou apenas três: O casal Osvaldo Gomes e Eva Venâncio Pereira, e Valdeci Barreto, viúva. Eles têm casa lá, mas como necessitam de cuidados constantes, estão recolhidos à enfermaria.

Seis familiares de pacientes que já morreram também moram lá. É o caso de Jacó, hoje com 70 anos, que nasceu lá dentro e foi retirado da mãe assim que nasceu (as mães leprosas não podiam nem tocar nos recém-nascidos) e levado para uma Casa de Amparo.

Loirinho, de olho claro, aos 10 anos ele foi adotado por uma família de São Leopoldo, mas quando souberam que era filho de uma ex-leprosa, trataram de devolvê-lo e, então, ele foi morar no asilo.

Ele conta que as crianças recolhidas à Casa de Amparo eram levadas uma vez por mês para ver e serem vistas pelas mães.

O ônibus encostava na entrada do hospital, onde as mães se postavam  para ver os filhos através dos vidros do ônibus. Eles não podiam nem descer.

Para atender aos últimos pacientes,  são quatro enfermeiros, 12 técnicos de enfermagem e seis cuidadores que se revezam. Os serviços de segurança, limpeza e manutenção são feitos por empresas terceirizadas. O custo mensal de toda a estrutura para o governo do Estado é de R$ 750 mil mensais.

Se conheceram no final dos anos 1970
E vivem juntos há mais de 20 anos
Seu Osvaldo e dona Eva

Estão curados há muitos anos, mas as sequelas da doença são visíveis: mãos em garra, nariz ‘desabado’, retração óssea, pouca sensibilidade nas mãos e pés, além das dificuldades para falar e ouvir. Mas o carinho entre eles salta aos olhos.

Na cama do casal, uma boneca que dona Eva cuida como se fosse a filha, que sempre quis ter. No armário, a “pilcha” que seu Osvaldo usava para ir aos bailes em Itapuã “quando era mais moço”. Iam de carroça, ele e dona Eva, sua prenda. Hoje o único vício é o fumo, para decepção da enfermeira Salete,  que se esforça para fazê-los largar o cigarro.

Perda do vínculo é o que preocupa

A enfermeira Salete diz que os ex-hansenianos que saíram do hospital estão bem porque ainda mantêm o vínculo com os servidores do hospital.

Apenas uma paciente vive sozinha, totalmente independente, os demais vivem com parentes, mas todos são assistidos pelo Estado, com transporte e acompanhamento a consultas e procedimentos médicos, remédios e alimentos.

Além de uma pensão no valor de cerca de um salário mínimo e meio como forma de indenização pela internação compulsória.

“Nós temos competência, vontade e experiência, gostaríamos de ficar no hospital porque existe a possibilidade de a gente servir os pacientes aqui dentro e os que estão morando em Viamão. Caso sejamos todos removidos e o hospital fechado, os pacientes perderiam esse vínculo que mantêm há mais de 50 anos, o que é preocupante”, afirma.

Salete diz que eles precisam não só do amparo financeiro mas também manter o vínculo com o hospital

Salete diz que eles precisam não só do amparo financeiro mas também manter o vínculo com o hospital, principalmente agora por conta das comorbidades próprias da idade avançada como problemas cardíacos, vasculares.

“Este é o compromisso que o Estado está outorgando para outras mãos”, lamenta Salete.

Funcionários também vivem na incerteza

Para atender aos últimos pacientes do HCI  são quatro enfermeiros, 12 técnicos de enfermagem e seis cuidadores que se revezam.

Os serviços de segurança, limpeza e manutenção são feitos por empresas terceirizadas. O custo mensal de toda a estrutura para o governo do Estado é de R$ 750 mil mensais.

Isabel de Souza Ropertti, 53 anos, servidora do HCI há nove anos, é responsável pelo Memorial, um casarão de dois pisos que guarda arquivos, mobiliárias, fotografias e outras lembranças do hospital, inclusive o fichário de todos os pacientes que por lá passaram.

Uma história de quase um século em que lances macabros e aterrorizantes se misturam com exemplos comoventes de superação e solidariedade.

Ela teme que toda essa memória se perca com o fechamento do hospital.

Isabel defronte o Memorial, antiga residências das freiras

Isabel está lá há nove anos. Trabalhava no Ambulatório de Dermatologia Sanitária, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, e residia com marido e filhos na Capital, mas decidiram mudar-se para Viamão a fim de ficar mais perto da sogra, que mora em Itapuã e tem idade avançada.

“Então pedi transferência para o hospital e mudei para uma das residências Se for transferida novamente para Porto Alegre, será bem complicado porque vamos permanecer morando no extremo sul de Viamão. Mas, se for o caso, prefiro voltar para o ambulatório, afirma.

Elizeu em frente sua casa

Elizeu Pereira, 58 anos, trabalha no HCI há 28 anos, mas frequenta o local desde criança pois seus pais trabalhavam no hospital. Ele mora com um filho adolescente e também não gostaria de sair, mas sabe que não depende de sua vontade. “É uma vida aqui, não tenho nem pra onde ir”.

Além do Ambulatório de Dermatologia Sanitária, o Estado mantém outras três instituições para onde os servidores podem ser realocados: o Sanatório Partenon, o Hospital Psiquiátrico São Pedro e o Hemocentro.

Outra alternativa seria o Estado ceder os servidores do Hospital Colônia de Itapuã para o município de Viamão. “Contanto que não perdêssemos nenhum direito trabalhista, seria uma boa ideia, mas isso é uma questão que compete aos gestores”, diz a enfermeira Salete Wanke.

Um atrativo para a concessão do Parque Estadual de Itapuã

Último dos hospitais-colônias do país, há dois anos, o HCI passa por programa de “desinstitucionalização”,  para retirada dos últimos pacientes – um processo em que tragédias pessoais e familiares se misturam com interesses econômicos e políticos, e cujo desfecho é incerto.

O esvaziamento do HCI foi lento no início, na medida que se iam desfazendo os preconceitos contra os “leprosos” e os tratamentos, cada vez mais eficazes, foram tornando anacrônico o isolamento.

Ao longo desse tempo, vários projetos foram anunciados para dar uma nova destinação ao HCI, mas sempre esbarraram na condição dos pacientes internados à força, aos quais o Estado deve tutela enquanto viverem.

Tudo indica que, por conta dessa condição, os sucessivos governos  entregaram ao tempo a solução do problema.

O estado em que se encontram as casas e a maioria das edificações revela que estão abandonadas há pelo menos 30 anos. Destelhadas, muros caídos, janelas e portas quebradas – são sólidas construções em ruínas.

Imóveis precisam ser restaurados
Igreja luterana projetada pelo arquiteto Theo Wiedersphan e construída em 1946, está caindo aos pedaços, apesar de tombada pelo Patrimônio Histórico

Desde o início, além da remoção dos pacientes, colocou-se a questão para o governo do Estado, proprietário do terreno e das benfeitorias: o que fazer com aquela área valiosa  e aquele patrimônio construído.

A Secretaria da Saúde tem informado que “o foco do governo, por enquanto, é na destinação dos pacientes” e que a questão do terreno e das instalações será tratada depois de resolvida essa parte.

Na verdade, a pressa em retirar os últimos pacientes do HCI está ligada a razões materiais bem visíveis.

O hospital ocupa menos de dez por cento de uma área de 128 hectares, uma porção de mata atlântica ao pé do morro de Itapuã, junto ao parque e à Lagoa Negra.

Hospital está encravado numa área de preservação ambiental, cercado pelas matas do Parque Estadual de Itapuã, de aldeias indígenas, da Lagoa Negra e Lagoa dos Patos

O ex-prefeito de Viamão, hoje deputado Valdir Bonatto (PSDB) disse ao JÁ que tratativas já avançadas entre o município e o governo do Estado visam um convênio para incorporar toda a área do hospital ao parque de Itapuã, para efeitos de sua futura concessão à iniciativa privada.

Isoladamente, segundo ele, o parque municipal não apresenta atrativos para investidores, porque a preservação e manutenção da área de mais de 1.200 hectares ( Área de Preservação Permanente) tem custo alto e as perspectivas de receitas são muito pequenas.

O terreno do hospital, como já é uma área alterada e ocupada por construções, poderia ser recuperada abrigar serviços, comércio, equipamentos de lazer e até um resort.

Antigas residências dos pacientes moradores
O antigo cassino onde eram realizadas atividades de lazer.

Primeiro sinal de que havia um plano

O primeiro sinal de que o governo tinha um plano para a desativação do HCI foi uma audiência virtual (era tempo de coronavírus) na Assembleia Legislativa, em 27 de outubro de 2021.

O deputado Thiago Duarte (DEM) pediu a audiência para “conhecer as intenções da administração pública diante dos rumores de que o local seria fechado e da falta de informações claras sobre o destino de moradores, pacientes e servidores”.

O representante da Associação de Moradores de Itapuã, Jorge Paixão, disse que “no bairro corria a informação de que o hospital seria fechado para a abertura de um resort na área”.

Explicou que os moradores não eram contra o empreendimento e o desenvolvimento econômico da região, mas o hospital poderia ser mantido, uma vez que ocupava 15 hectares apenas de todo o terreno e não havia outros estabelecimentos de saúde nas proximidades para atender à população.

A coordenadora do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Magda Chagas, disse que o não fechamento do hospital era uma luta da própria comunidade e que o Morhan a apoiava.

O então vereador Fabrício Ollermann (MDB), de Viamão (depois cassado), contou que a Câmara Municipal havia aprovado projeto do Executivo que resultou na Lei nº 5.094, que autorizava o município a celebrar convênio com o Estado para proceder à “desinstitucionalização” de pacientes da saúde mental e ex-hansenianos moradores do hospital.

Disse que, como vereador, apresentou propostas para manter os atendimentos à saúde e considerava o lugar ideal para abrigar um Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Sugeriu que se convocasse um plebiscito para saber o que a comunidade desejava para o local.

A secretária de Saúde adjunta, Ana Costa, fez questão de esclarecer que eram duas questões distintas: o projeto de “desinstitucionalização” (retirada) dos pacientes, que a Secretaria vinha tratando, e a destinação da área física do hospital, da qual ela não tinha condições de falar.

Naquele momento, segundo a secretária, havia no local 38 pacientes psiquiátricos, e 17 hansenianos, além dos funcionários que moravam nas casas do HC.

Pepe Vargas (PT) disse que como médico e gestor público, havia sempre se aliado à luta pela reforma psiquiátrica e que era, portanto, favorável à desinstitucionalização dos pacientes, mas que concordava com a ideia de as moradias se manterem no próprio local.

Ex-hanseniana e moradora do local há mais de 60 anos, dona Eva fez um relato dramático: “Fui para lá com 12 anos”, disse, corrigindo-se em seguida: “Não fui, me levaram, me atiraram lá dentro”, contou.

Aos 76 anos, disse não aguentar o descaso da administração, a convivência forçada na enfermaria com pacientes psiquiátricos, que não era o caso dela, e agora a ameaça de um “pontapé na bunda”.

O desabafo levou a secretária-adjunta a se comprometer a ir ao local e conversar pessoalmente com ela.

Na audiência na AL, falou também a promotora de Justiça, Giselle Moretto, que apontou a inadequação do termo “desinstitucionalização” usado para se referir tanto aos pacientes psiquiátricos como aos ex-hansenianos do HCI. Questionou se os moradores haviam sido ouvidos e chamou a atenção para “não se repetir o passado”.

A promotora lembrou que, em 2018, haviam movido uma ação para assegurar a duas moradoras idosas o direito de terem seus familiares morando com elas no local. Foi negado, numa primeira decisão, mas acabou sendo reconhecido.

A promotora lamentou a ausência de um representante do governo de Viamão, município que pretendia assumir a tutela dos últimos moradores, que impediam o fechamento do HCI.

“Desistiram de nós”

O desdobramento do assunto chegou a público três meses depois em uma nota da Secretaria da Saúde, divulgada no dia 6 de janeiro de 2022:

O então prefeito Bonatto com a secretária Arita. Foto: Divulgação

“Uma reunião entre a secretária da Saúde, Arita Bergmann, e o então prefeito de Viamão, Valdir Bonatto, deu início nesta quinta-feira (6) ao processo de desinstitucionalização dos 55 pacientes e ex-pacientes do Hospital Colônia Itapuã”.

“Atualmente, vivem no local 38 pacientes de saúde mental, oito pacientes ex-hansenianos que tratam outras doenças e nove ex-pacientes de hanseníase. Os pacientes serão transferidos para quatro residências terapêuticas, cada uma com capacidade para abrigar dez pessoas. Já  os ex-pacientes, que moram sozinhos em casas dentro da colônia, irão para moradias individuais semelhantes àquelas onde vivem hoje”.

“Para concretizar a mudança, o Governo do Estado,  através da Secretaria da Saúde, repassará quatro parcelas de R$ 3,173 milhões à prefeitura, que vai assumir os cuidados aos pacientes e moradores. A previsão é de que a primeira residência terapêutica fique pronta ainda no primeiro semestre.

No jargão dos pacientes e funcionários do HCI,  o termo “desinstitucionalização” foi traduzido para “desistiram-de-nós”.

Eram, portanto, 17 hansenianos e 38 psiquiátricos)  em junho de 2022, quando se iniciaram as transferências com vistas ao fechamento do hospital.

Os primeiros nove pacientes foram transferidos  em outubro de  2022, para o primeira “residência terapêutica”, em Viamão.

Menos de um ano depois, neste final de setembro de 2023, restam apenas três ex-hansenianos e seis familiares deles, nove pessoas no total.

A estimativa do programa era retirar o último paciente do HCI até dezembro de 2023. Meta que pode estar comprometida pela decisão da Justiça de suspender as remoções, anunciada neste final de setembro.

O governo gaúcho explica que a transferência de pacientes de saúde mental é motivada pela necessidade de cumprir a Lei Federal da Reforma Psiquiátrica, de 2001. A legislação diz que manter pacientes psiquiátricos internados por toda a vida é uma violação de direitos humanos e que essas pessoas devem ser reintegradas à vida comunitária. A saída seria alocá-los em “residenciais terapêuticos” ou voltarem para a família ou mesmo viverem sozinhos em moradias pagas pelo Estado.

O problema é que o programa de “desinstitucionalização” do governo do Estado aproveitou a oportunidade e incluiu no mesmo pacote a remoção os ex-hansenianos remanescentes.

Desde o início o Ministério Público questionou essa solução que ignora o direito especial dos ex-hansenianos.

Os pacientes psiquiátricos (doentes mentais) não têm condições de decidir para onde vão, são considerados incapazes. Já os ex-hansenianos foram levados à força para o isolamento no HCI , alguns ainda criança.  Pela Constituição, o Estado é responsável por eles enquanto viverem e só podem ser tirados do lugar onde construíram suas vidas, suas famílias inclusive,  por livre e espontânea vontade.

Por isso, o MP pediu à Justiça a suspensão das remoções para garantir o direito dos três últimos pacientes que não querem sair.

O promotor Leonardo Menin, do Ministério Público Estadual, que acompanha o processo de “desinstitucionalização” do HCI, explica: “Estado e município deixaram claro para nós que, mostrando às pessoas como seria a vida delas fora dali, elas aceitariam. Nós fomos lá e sabemos que as pessoas não querem sair, mas o Estado acredita que, mostrando para eles como a vida pode ser do lado de fora, eles acabarão aderindo. Nossa atuação é para que não haja compulsoriedade”.

Quase cinco mil ex-leprosos recebem pensão vitalícia

Em 2007, o Estado brasileiro se tornou o segundo país, ao lado do Japão, a aprovar lei que estipulou pagamento de pensão vitalícia aos hansenianos segregados da sociedade – filhos não têm direito ao benefício.

Hoje, 4.725 brasileiros recebem R$ 1.831 por mês, informa o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – em 2018, eram mais de 9 mil pessoas.

Eva, retirada da escola, aos 12 anos: “Para onde vocês estão me levando?”

A jornalista Ana Carolina Pinheiro acompanhou durante dois anos a rotina do hospital e seus moradores e, após exaustiva pesquisa, apresentou em junho de 2019 seu trabalho de conclusão do curso em Jornalismo, na UniRitter. Este ano, Ana atualizou as informações e transformou o trabalho acadêmico em um livro-reportagem, a ser lançado pela Editora Sulina em novembro, durante a Feira do Livro de Porto Alegre.

Ana e dona Eva durante audiência pública na Câmara Municipal de Viamão, em 2021, pelo não fechamento do HCI_
Foto Artur Custodio

 

 

 

 

 

Aqui, um trecho baseado no depoimento de dona Eva Pereira Nunes, que morou mais de 60 anos no hospital colônia: “(…) No mesmo dia, uma caminhonete preta estacionou no pátio do internato. Dela desceu um casal de enfermeiros, que embarcou Eva no veículo. A menina ia sozinha no banco de trás. Uma grade impedia o contato entre ela e os enfermeiros. Na estrada, sem saber o seu destino, a menina gritava:– Vovó, vão me matar, vovó! Vão me matar! A caminhonete percorreu os cerca de 80 quilômetros que separam Santo Antônio da Patrulha de Porto Alegre e desembarcou Eva na Santa Casa de Misericórdia. As enfermeiras que a recepcionaram orientaram que se despisse e aguardasse sozinha no consultório. O grupo de médicos entra na sala. Imediatamente, começa a examinar as marcas existentes no corpo da paciente. Constatam que a perna direita era, a olho nu, mais fina que a outra, como se a carne tivesse secado e não houvesse mais nada entre a pele e o osso. Isso fazia com que Eva tivesse dificuldade para manter o calçado preso ao pé. A menina apresentava ainda lesões que subiam por suas pernas até suas nádegas e começavam a tomar conta também de seu rosto e de suas mãos. Colheram também amostras que foram enviadas para análise histopatológica, embora o resultado não fosse necessário para a confirmação do diagnóstico. Como a menina apresentava múltiplas lesões em várias partes do corpo, os médicos foram unânimes: lepra lepromatosa. O grupo finalizou o exame e saiu sem trocar nenhuma palavra com ela. Pelas enfermeiras, a menina foi orientada a se vestir e encaminhada para um dormitório. Ao contrário do colégio, onde Eva dividia o quarto com diversas meninas, foi obrigada a passar a noite sozinha. Ali começava a sua rotina de isolamento. Aguardou até umas 15 horas, quando foi avisada que um novo carro chegara para buscá-la. A menina nutria esperanças que o destino fosse a sua escola. Ela ainda não sabia, mas nunca mais retornaria ao internato. Novamente, um casal de enfermeiros a aguardava. A moça carregava um amontoado de papéis na mão. Os dois a embarcaram em um carro preto, descrito por ela como um carro fúnebre. Eram quase 16 horas quando partiram. Foi então que a menina percebeu que o caminho que percorriam não era o que a levaria de volta para casa. – Para onde vocês estão me levando? – Não te preocupa que tu vai para um lugar bom – respondeu a enfermeira. – Eu acho que eles vão me matar. Vão me matar (…)”.

Pacientes podem ficar no Hospital Colônia de Itapuã, decide Justiça

Atendendo pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul, por meio de ação civil pública, a Justiça determinou que o Estado e o Município de Viamão se abstenham de promover a realocação dos moradores remanescentes da política sanitária de higienização social da década de 1940 para combate à hanseníase, vinculados ao Hospital Colônia de Itapuã, assegurando o imediato retorno daqueles que já foram realocados.

A decisão também determina que seja interrompida a abordagem para fins de transferência/realocação dos moradores remanescentes, bem como seja delimitada a área de permanência destes moradores, garantindo sua manutenção no estabelecimento e também para os que retornarem. Ainda, seja ofertado todos os serviços necessários para sua integral assistência e proteção (cuidados de saúde, higiene, alimentação, lazer, condições de remoção imediata, em caso de necessidade de atendimento médico, entre outros, também garantindo os recursos necessários à sua segurança).

A ação foi ajuizada pela promotora de Justiça Gisele Moretto, da Promotoria de Justiça Cível de Viamão, para evitar a realocação compulsória dos pacientes-moradores do Hospital Colônia de Itapuã.

“Muitos dos moradores são pessoas idosas, com mais de 70 anos de idade, que, após a abolição da prática do isolamento social, escolheram permanecer no estabelecimento que passaram a considerar como lar, onde formaram vínculos afetivos indissolúveis. A realocação representa afronta à dignidade da pessoa humana”, explica a promotora.

(Assessoria de Comunicação do MPRS)

Melnick divulga resultados de 2022, o “melhor ano de sua história”

A Melnick divulgou dados do seu desempenho em 2022. Os números confirmam a impressão causada pelas placas da empresa em construções nos pontos mais valorizados de Porto Alegre.

Atualmente, a Melnick tem 20 canteiros de obras em andamento, totalizando 45 torres e mais de 3.600 unidades em construção, segundo a nota distribuída pela assessoria de imprensa.

A nota, distribuída à imprensa na semana passada, diz que 2022  foi um ano “com resultado histórico de lançamentos, entregas e vendas”.

Presente em 10 cidades do Rio Grande do Sul, a incorporadora possui landbank (banco de terrenos) superior a R$ 5 bilhões em 30 terrenos, “dos quais mais de R$ 1 bilhão já se encontram aprovados”.

Um desses terrenos, talvez um dos mais valiosos, fica ao lado do Museu Julio de Castilhos, onde durante mais de meio século foi o Colégio Anchieta. A Melnick tem um projeto de 41 andares para o local  e enfrenta muitas críticas porque vai desfigurar um espaço histórico, com vários prédios importantes tombados, contrariando a legislação.  O MP analisa inclusive um pedido de embargo da obra que está em fase de licenciamento.

Maquete do prédio de 41 andares projetado para a Duque de Caxias.

Os lançamentos geraram um valor geral de vendas (VGV) de R$ 1,27 bilhões,  um aumento de 15% em relação ao ano anterior. Foi o recorde de lançamentos da empresa.

Já as vendas liquidas cresceram 32%, chegando a R$ 647 milhões, enquanto a receita liquida subiu 33%, ultrapassando pela primeira vez a barreira do bilhão de reais, para R$ 1,03 bilhões.

Houve também, no ano, um recorde de entregas, totalizando um VGV de R$ 965 milhões, mais que 3 vezes o volume do ano anterior.

Entre os prédios entregues, está o Pontal do Estaleiro, obra polêmica junto à Orla do Guaíba, que reúne o hotel, salas comercias e um centro de eventos.

O Pontal foi uma das principais obras da Melnick. O debate sobre a construção de espigões no Pontal motivou até um plebiscito em Porto Alegre. Foto: Divulgação

Líder no setor de construções de alto padrão  na região metropolitana de Porto Alegre, a Melnick se preparou para dar o salto.

Empresa familiar bem sucedida, em 2020, quando fez 50 anos, abriu capital e captou R$ 713 milhões na bolsa de valores para sustentar a expansão. Adotou uma política agressiva de aquisição de terrenos.

Antes adquiria os terrenos através de permuta por área construída: em cada 100 apartamentos ou escritórios construídos,  20 eram para pagar o terreno, um custo alto.  Capitalizada, a empresa passou comprar a vista numa política agressiva em que abocanhou algumas das áreas mais valiosas de Porto Alegre.

Essa política agressiva de crescimento tem gerado reações negativas na opinião pública, com fortes críticas de entidades defensoras do patrimonio histórico e do meio ambiente. Quando foi divulgado o projeto do espigão ao lado do Museu Julio de Castilhos, o tapume que a empresa colocou no terreno foi pixado: “Fora” “Lixo”.   ( dois dias depois a pixação foi apagada).

Depois que foi divlgado o projeto de 41 andares naDuque de Caxias, a placa da Melnick amanheceu pixada. Dois dias depois a pixação foi apagada

A Melnick, porém, segue seus planos.

Seu estoque de terrenos vale R$ 5 bilhões, dos quais R$ 1 bilhão ( 20%) correspondem a projetos já aprovados, segundo a nota distribuida à imprensa. Um de seus alvos mais importantes, segundo uma informação não confirmada, seriam os terrenos do Inter, junto ao Beira Rio. Uma de suas principais entregas este ano foi o Plaza Park, no bairro Moinho de Ventos, em parceria com o Grêmio, É o primeiro hotel temático licenciado por um clube de futebol.

(Com informações da Assessoria de Imprensa, GZH, Jornal do Comércio, site da empresa. Pedimos contato para maiores esclarecimento, não tivemos retorno).

 

Descaso com o patrimônio histórico está escancarado na rua Duque de Caxias

A rua Duque de Caxias, cuja história se confunde com as origens de Porto Alegre, vai “ganhar” um edifício de 41 andares (134 metros de altura) no seu ponto mais alto.

Pretende ser o primeiro de uma série de “prédios icônicos” que irão moldar  a nova face urbana da cidade, seguindo os padrões globais de verticalização.

O impacto no coração do centro histórico não está devidamente medido. Simulações indicam que o prédio projetará sombra sobre a matriz, o Palácio Piratini e até no monumento a Julio de Castilhos, o Patriarca.

Simulação em 3D feita pelo IAB

Além da pressão na infraestutura e no trânsito, o impacto visual: o espigão vai desfigurar imóveis tombados, como são as casas do Museu Julio de Castilhos.

O projeto, no entanto, é coerente com o que vem acontecendo há muito tempo.

O descaso com o patrimônio histórico está escancarado ao longo de toda a Duque de Caxias, uma das três ruas traçadas pelo capitão  Montanha, o engenheiro militar que definiu o perímetro original do povoado, em agosto de  1773,  há 250 anos, portanto.

A população de Porto Alegre ainda não chegava a mil moradores.

Rua da Praia (Andradas), a rua do Cotovelo (Riachuelo) e, no alto, a rua Formosa (atual Duque de Caxias), três paralelas. Foram as  vias que orientaram a ocupação da cidade, entre as águas  e o espigão, a partir do núcleo original junto à Praia do Arsenal.

Representação esquemática das três primeiras ruas de Porto Alegre: Rua da Praia (Andradas), Rua do Cotovelo (Riachuelo) e Rua Formosa (depois Rua da |greja e atual Duque de Caxias)

Com a construção da primeira matriz no seu ponto mais alto, a rua Formosa passou a ser a “rua da Igreja”.

Quando visitou Porto Alegre, em 1820, o botânico francês, Saint’Hilaire, registrou em seu famoso diário: “Uma das três grandes ruas, chamada rua da Igreja , estende-se sobre a crista da colina. É aí que ficam os três principais edifícios da cidade, o Palácio, a Igreja Paroquial e o Palácio da Junta (que depois foi Assembleia). São construídos alinhados e voltados para noroeste. Na outra face da rua, em frente não existem edifícios, mas tão somente um muro de arrimo, a fim de que não seja prejudicada a linda vista que daí se descortina”.

Numa sessão no dia 29 de dezembro de 1869,  a Câmara Municipal mudou a denominação de rua da Igreja para Duque de Caxias, homenagem ao general que pacificou a Província, foi governador e senador pelo Rio Grande do Sul. Sua gestão, depois da Revolução Farroupilha, foi de reconstrução e de muitas obras em Porto Alegre, inclusive o ajardinamento da Praça da Matriz e outras duas praças na rua Duque de Caxias, “que concorreram para embelezá-la”.

Em 1892 possuía 317 prédios, sendo 55 sobrados e 40 assobradados. Foi uma das primeiras onde circulou um bonde elétrico em 1909 e o bonde “Duque” fez parte do folclore urbano de Porto Alegre.

No início do século 20, a Duque de Caxias tornou-se o endereço da elite política e econômica do Estado, era a rua do poder. É dessa época o palacete dos Chaves Barcellos, a 100 metros do Palácio Piratini,  projetado por Theo Wiedersphan.

Palacete dos Chaves Barcellos: tombado e abandonado | Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulo

Eram quatro casarões pertencentes ao clã na Duque — duas delas deram lugar a prédios, uma foi demolida, virou estacionamento.

A que resiste, na esquina da Duque com a João Manoel, desde 2004 é patrimônio histórico do município, em estado de abandono denunciado na imprensa já em 1990.

Em setembro de  2023, a rua Duque de Caxias  tem 23 imóveis tombados ou inventariados pelo patrimônio público, em âmbito federal, estadual e municipal.

Dois terços deles abandonados, quando não depredados e irrecuperáveis.

| Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

 

Fora a Igreja Matriz e os prédios principais do poder público, como o Palácio Piratini, a antiga Assembleia (que está sendo restaurada), o quadro é de abandono total.

Um visitante que percorra a pé os dois quilômetros e pouco da rua Duque de Caxias não terá a menor ideia dos 250 anos de história que ela encerra.  O que ele perceberá chocado é o descaso com o pouco que resta desta memória.

(Com informações do Guia Histórico de Porto Alegre, de Sérgio da Costa Franco)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Governo amplia aumento e prevê crescimento real de 7,7% no salário mínimo em 2024

A nova regra de correção fez o governo elevar a previsão para o salário mínimo no próximo ano.

O projeto da Lei Orçamentária de 2024, que será enviado até nesta quinta-feira (31) ao Congresso, prevê o mínimo de R$ 1.421, um acréscimo de  R$ 32,oo ao valor de R$ 1.389 proposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O valor, confirmado pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, representa aumento real (acima da inflação) de 7,7% em relação a 2023.

A alta obedece ao retorno da regra de correção automática do salário mínimo, sancionada nesta semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A regra da correção automática havia sido extinta em 2019, pelo governo Bolsonaro.

Essa regra estabelece que o salário mínimo subirá o equivalente ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) acumulado em 12 meses, até novembro do ano anterior mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país) de dois anos antes.

Para 2024, a correção considera o PIB de 2022, que cresceu 2,9%.

O valor final do salário mínimo em 2024 pode ficar ainda maior, caso o INPC até novembro suba mais que o esperado.

Com base na inflação acumulada entre dezembro de 2022 e novembro de 2023, o governo enviará uma mensagem modificativa ao Congresso no início de dezembro.

A previsão oficial para o INPC em 2023 está 4,48%. O valor consta no último Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas, divulgado no fim de julho.

A próxima estimativa será divulgada no fim de setembro, na nova edição do Boletim Macrofiscal pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

(Com informações da Agência Brasil)

Marcha das Margaridas: Lula diz que mulheres terão prioridade na reforma agrária

Márcia Turcato, de Brasília

Mais de 100 mil pessoas participaram nesta quarta-feira em Brasillia da 7ª Marcha das Margaridas, “pela reconstrução do Brasil e pelo bem viver”.

Brasília (DF) 16/08/2023 – Mulheres agricultoras realizam a 7ª Marcha das Margaridas.
Foto:Ricardo Stuckert / PR

No encerramento do evento, o presidente Lula anunciou a retomada do Programa Nacional de Reforma Agrária com prioridade para as mulheres rurais, no processo de seleção das famílias beneficiadas pela política pública.

Lula, entre Mazé Morais e a primeira dama Janja, participa do encerramento da Marcha das Margaridas na Esplanada dos Ministérios. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Do Rio Grande do Sul, 600 trabalhadoras rurais uniram às
mulheres de todo o Brasil e também de delegações do exterior. Na véspera foram realizadas diversas atividades na área do acampamento das mulheres no Parque da Cidade, onde ficaram cerca de 30 mil agricultoras.

A 7ª Marcha das Mulheres ocupou toda a Esplanada dos Ministérios. Era possível ver as manifestantes do final do ato, em frente ao Congresso Nacional, onde foi instalado o palco, até a Torre de TV, a cerca de 4 quilômetros de distância, onde estavam três carros de som.

As mulheres estavam organizadas por região e
carregando faixas e cartazes com suas reivindicações. No dia anterior, na área do alojamento no Parque da Cidade, foram realizadas rodas de conversa, debates,
apresentação folclórica e feira de produtos da agricultura familiar.

Mazé Morais,  da Contag, coordenadora da 7ª Marcha das Margaridas falou sobre as reivindicações das mulheres rurais: “A marcha realizada em 2019 foi a marcha da resistência, agora temos a marcha da reconstrução do Brasil e do bem viver” e afirmou: “quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede”.

A primeira-dama Janja Lula da Silva participou da marcha e subiu no carro de som. Ela disse que “sempre sonhei em estar aqui e hoje estou realizando um sonho. Estou muito emocionada e muito feliz, vamos caminhar juntas, o Brasil voltou com o presidente Lula”.

Janja esteve ao lado do presidente da República Luís Inácio Lula da Silva no palco, ao final da marcha, quando ele anunciou as ações adotadas pelo governo federal em benefício das mulheres rurais.  Lula disse que “nossas pautas são convergentes e nossos sonhos são verdes. Para
isso voltei, para fazer do Brasil um país capaz de corrigir as injustiças, um país sustentável, sem necessidade de destruir as florestas”.

“Só faz sentido um país crescer se a riqueza chegar na mão de vocês. Foi isso que fizemos uma vez e
vamos fazer novamente”, disse Lula, que anunciou uma série de ações adotadas pelo governo federal para garantir os direitos das mulheres rurais.

São medidas que atendem diversas reivindicações da Marcha das Margaridas, entre elas a retomada do Programa
Nacional de Reforma Agrária. A medida assinada pelo presidente prioriza as famílias chefiadas por mulheres. Além disso, mais de cinco mil novas famílias serão
atendidas em oito assentamentos que serão criados e será regularizada a situação de 40 mil famílias rurais.

Lula ainda assinou decretos, um deles institui o Programa Quintais Produtivos- de incentivo à autonomia econômica das mulheres, a Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo, além do Pacto Nacional de Prevenção ao
Feminicídio, que terá 270 unidades móveis para realizar o atendimento direto de acolhimento e orientação às mulheres, além de 10 carros, em que a metade servirá
para locomoção das equipes e a outra parte para transportar os equipamentos de atendimento às usuárias. Nos territórios onde o deslocamento é por água, serão
disponibilizados barcos e lanchas. Também foi anunciada a recriação do Bolsa Verde- que financia o uso sustentável dos recursos naturais e a manutenção da cobertura vegetal da área onde a família vive. O Ministério das Mulheres, vai centralizar a coordenação das ações das quais participam mais onze ministérios, a Casa Civil e a Presidência da República.

A ministra Cida Gonçalves informou ainda que a Pasta vai levar ao campo o programa “Oi, Mulheres!”, que é a ouvidoria itinerante do Ministério das Mulheres.

Serão beneficiadas pelo serviço as mulheres em situação de vulnerabilidade e submetidas a violações de direitos, além de mulheres que vivem em situações de riscos, desastres, deslocamentos forçados e outras crises. O ministério também firmou parceria com os Correios para que as agricultoras possam encaminhar cartas
com denúncias, sem custo, à Ouvidoria Mulheres da Pasta.

A 7 Marcha das Margaridas 2023 é coordenada pela Contag, suas 27 Federações, cerca de quatro mil sindicatos rurais filiados, e em parceria com 16 movimentos feministas e de mulheres trabalhadoras, centrais sindicais e 90 organizações internacionais de 34 países de todos os continentes. Este ano o evento contou com patrocínio Caixa Federal, do Conselho Nacional do SESI, do Sebrae e do Governo Federal.

Margarida Alves. Foto: Reprodução

Quem é Margarida

Margarida Maria Alves foi declarada heroína brasileira em sessão do Congresso Nacional realizada dia 15 de agosto, e seu nome foi levado ao Panteão dos Heróis do Brasil.

Natural de Alagoa Grande, Paraíba, Margarida foi presidenta do sindicato rural por 12 anos e criou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural, além de estar à frente das lutas por reforma agrária.

No dia 12 de agosto de 1983, aos 40 anos de idade, ela foi assassinada com um tiro na porta de sua casa. Seu nome e sua luta se tornaram um símbolo da luta e das
reivindicações das mulheres rurais, que realizam a Marcha das Margaridas a cada quatro anos, sempre no mês de agosto.

Janja com a coordenadora da Marcha, Mazé Morais. Foto: Marcia Turcato

Maior mobilização de mulheres

Mazé Morais, 40 anos, secretária de Mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) é a
coordenadora-geral da 7ª Marcha das Margaridas 2023.

A Marcha das Margaridas acontece a cada quatro anos e iniciou no ano 2000.

É reconhecida como a maior ação de mulheres no Brasil e da América Latina, reunindo trabalhadoras do campo, das florestas, das águas e também das cidades.

Mazé Morais é natural da cidade de Batalha, no Piauí, cuja principal produção é a criação de cabras. Para ela, “a luta no campo por uma produção saudável, sem agrotóxico, por um alimento sadio, significa gente viva”

Presidentes pedem diálogo entre governo e oposição para eleições na Venezuela

Em declaração conjunta, os presidentes da Argentina, do Brasil, da Colômbia e da França pedem ao governo venezuelano e representantes da oposição no país que retomem o diálogo e assegurem a organização de eleições livres e transparentes no país.

O documento foi publicado nesta terça-feira (18), um dia após reunião, em Bruxelas, com a participação dos presidentes Emmanuel Macron (França), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Gustavo Petro (Colômbia) e Alberto Fernández (Argentina), além do Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell.

Eles se reuniram na mesma mesa com a vice-presidenta da Venezuela e o negociador-chefe da Plataforma Unitária da oposição venezuelana, Gerardo Blyde.

“Os chefes de Estado e o Alto Representante instaram o governo venezuelano e a Plataforma Unitária da oposição venezuelana a retomar o diálogo e a negociação no âmbito do processo do México, com o objetivo de chegarem a um acordo, entre outros pontos da agenda, sobre as condições para as próximas eleições. Eles fizeram um apelo em prol de uma negociação política que leve à organização de eleições justas para todos, transparentes e inclusivas, que permitam a participação de todos que desejem, de acordo com a lei e os tratados internacionais em vigor, com acompanhamento internacional”, diz a declaração.

Os presidentes e o Alto Representante, ainda de acordo com a declaração, garantem que se houver avanço na negociação das eleições, a Venezuela poderá se ver livre das sanções econômicas atualmente impostas ao país.

“Esse processo deve ser acompanhado de uma suspensão das sanções, de todos os tipos, com vistas à sua suspensão completa”, diz o texto.

Os participantes da reunião prometeram manter a diálogo sobre o assunto ao longo do próximo período.

A Venezuela terá eleições gerais no ano que vem, e a oposição no país questiona decisões de órgãos públicos que inabilitaram alguns de seus principais candidatos. No caso mais recente, a ex-deputada María Corina Machado foi condenada à perda de direitos políticos por 15 anos. Também os políticos de oposição Henrique Capriles e Freddy Superlano estão igualmente inabilitados para concorrer à Presidência do país. A data das eleições ainda não foi definida.

Porões da ditadura: pesquisadores farão escavações no Doi-Codi em São Paulo

Começam dia 2 de agosto as escavações arqueológicas no antigo Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) – órgão que era subordinado ao Exército e foi local de tortura e assassinatos de opositores da ditadura militar.

Até o dia 14, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) trabalharão no local.

Eles avaliam que os prédios do antigo DOI-Codi/SP são um marco físico que documentam um período brutal da história brasileira, sob permanente disputa.

Nas escavações, os pesquisadores pretendem explorar os vestígios encontrados no local, objetos, estruturas arquitetônicas e registros documentais, a fim de buscar esclarecimentos sobre o passado e contribuir para a compreensão dos eventos ocorridos durante o período.

“Resultado de um trabalho coletivo desenvolvido no âmbito do Grupo de Trabalho Memorial DOI-Codi em 2018, o objetivo dessas escavações é utilizar as pesquisas arqueológica e histórica para compreender os vestígios materiais e a memória associada a esse importante local de violações de direitos”, disse, em nota, o grupo responsável pelo trabalho.

Espaço de memória
Acrescentou que busca estabelecer uma base sólida para a criação de um espaço de memória do estado de São Paulo, permitindo que diversos grupos da sociedade possam acessar informações e interpretações sobre o passado.

“A investigação rigorosa, o diálogo contínuo com a sociedade e a aliança entre ciência e direitos humanos é um dos caminhos para o conhecimento do nosso passado, visando o fortalecimento da democracia e da construção de políticas públicas efetivas para a consolidação da cidadania”, diz a nota.

Haverá ainda visitas guiadas às escavações, oficinas com estudantes e professores, além de mesas e debates com ex-presos, pesquisadores e defensores dos direitos humanos.

Proposta brasileira: 16 países firmam compromisso para erradicar a fome

Representantes de 16 países da América Latina e Caribe assinaram uma “declaração de cooperação conjunta” em que se comprometem a erradicar a fome, garantir a segurança alimentar e nutricional e combater a desigualdade econômica e social na região.

A proposta foi apresentada pelo presidente da CONAB,  Edegar Pretto, durante encontro da Rede de Sistemas Públicos de Abastecimento e Comercialização na América Latina e Caribe, instituição internacional coordenada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em El Salvador, na América Central.

Conforme Edegar, a proposição, que foi aprovada por unanimidade, atende a um pedido do presidente Lula, para que a Conab volte a se relacionar e a formar parcerias de cooperação com serviços públicos de abastecimento e comercialização de outros países. “É um esforço coletivo, de todos nós, para incentivar a produção de alimentos, erradicar a fome e fortalecer as políticas públicas”, destacou o presidente, que cumpre a sua primeira missão internacional à frente da Conab.

A proposição leva em conta dados da FAO, que indicam um enorme retrocesso em indicadores associados à pobreza e à segurança alimentar na América Latina e Caribe. Nessa região, há mais de 267 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave ou moderada. Além disso, 33% da população está em situação de pobreza e 14,5% em pobreza extrema. No Brasil, conforme levantamento de 2020 a 2022, divulgado nesta quarta-feira (12) pela FAO, 21,1 milhões de pessoas passam fome.

No encontro, Edegar ainda destacou a volta de programas que haviam sido desfeitos pelo governo passado, como o de Aquisição de Alimentos (PAA) e a formação de estoques públicos, além da Política Nacional de Abastecimento Alimentar, que está em processo de discussão. Tratam-se de ações estratégicas para o governo, que estão sendo executadas com o apoio da Conab para incentivar a produção de alimentos e combater a fome no país. O presidente também teve vários encontros bilaterais para discutir cooperação técnica com países vizinhos, como Colômbia, México, Cuba e Honduras.

Além de propor os compromissos comuns entre os 16 países, Edegar também ofereceu o Brasil para sediar o próximo encontro da Rede, em 2024. Conforme decisão unânime entre os participantes, o evento será em Brasília, com a perspectiva de integrar mais países da América Latina à Rede. O objetivo do evento é promover intercâmbio de experiências de comercialização e abastecimento entre vários países, desenvolvendo estratégias conjuntas de integração regional e projetos de cooperação técnica.

Países que participam da Rede:

Brasil, Costa Rica, Cuba, Chile, El Salvador, Guatemala, República Dominicana, Paraguai, São Vicente e Granadinas, Venezuela, Honduras, Bolívia, Panamá, México, Colômbia e Equador.

(Com informações da Assessoria de Imprensa)

Livro sobre mulheres negras na política tem lançamento em Brasilia

“Mulher Preta na Política” é o título do livro que a deputada Olívia Santana (PCdoB-BA), lança, no Festival Latinidades, em Brasília (DF), neste sábado, 8 de julho.

Ex-faxineira que, aos 56 anos, exerce seu segundo mandato na Assembleia da Bahia, ela descreve não só sua experiência, mas de outras mulheres negras que buscam participar da política.

“Eu sou a única deputada preta da Assembleia Legislativa no estado mais negro do Brasil”, disse a parlamentar em entrevista à Agência Brasil. “A população negra é maioria neste país e, mesmo assim, a gente não tem a presença refletida adequadamente nos espaços de poder”.

O lançamento acontece no anexo do Museu Nacional em Brasília. O festival conta com o apoio da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Segundo a autora, o livro tem elementos de autobiografia, mas também inclui experiências de outras mulheres negras que se candidataram para o Executivo ou para o Legislativo.

A deputada tem mais de 35 anos de trajetória nas lutas sociais. Elegeu-se pela primeira vez em 2018, com mais de 57 mil votos. Reelegeu-se em 2022, com 92.559 votos.

O livro, da Editora Malê,  será lançado também no Museu do Amanhã (no Rio de Janeiro), no dia 15 de julho, e na Casa Mulher com a Palavra, no Instituto Goethe (em Salvador), em 25 de Julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

De faxineira a deputada
A deputada, que é professora e pedagoga, trabalhou, antes de chegar ao ensino superior, como faxineira e merendeira de uma escola. Encantada com o que via em uma sala de aula, resolveu estudar para ser docente.

Foi com dificuldades que fez o curso de Pedagogia na Universidade Federal da Bahia, ao mesmo tempo em que trabalhava na faxina. “Imaginem o que faz uma universidade na cabeça de uma faxineira, favelada e inquieta”, escreveu na introdução do livro.

Minoria
Ela lamenta que dos 63 deputados da Assembleia Legislativa da Bahia, por exemplo, as mulheres continuem sendo minoria. “Em 2018, nós éramos dez mulheres e eu era a única mulher preta.

Agora, só oito mulheres foram eleitas, apesar de não ter as mesmas ferramentas que os meus colegas homens tinham para fazer a campanha”.

Mesmo com mandato, ela percebeu momentos em que era preterida. “A gente sabe quando o racismo e o machismo se articulam para deixar a gente de fora, ou para a gente ter menos garantia de emendas parlamentares”.

Além disso, ela identifica que o racismo se apresenta em diferentes faces. A parlamentar recorda, inclusive, episódios em que eleitores estranhavam o fato de ela ser candidata ou parlamentar.

“Nós somos tão poucas nos espaços de poder, historicamente associados a homens brancos. Essa construção serve também como um paredão para nos isolar desses espaços e formatar um imaginário coletivo”.

Olívia Santana foi secretária de Educação e Cultura de Salvador, e pelo Estado da Bahia, atuou nas secretarias de Política para Mulheres e de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte.