Desmonte do plano diretor de Porto Alegre começou há mais de três décadas: a cidade perdeu

O que está ocorrendo agora com o Plano Diretor de Porto Alegre é a culminância de um processo que começou há mais de três décadas.

Mais precisamente em 1987 e, ironicamente, num governo trabalhista, de  Alceu Collares, quando o setor imobiliário começou a se impor ao planejamento urbano.

Ironicamente, porque o Plano Diretor de Porto Alegre, pioneiro no Brasil, foi aprovado na gestão do prefeito trabalhista Leonel Brizola, e se tornou referência em termos de planejamento urbano até no exterior.

Os planejadores, uma geração de urbanistas gaúchos que alcançaram projeção nacional, tinham clareza da dinâmica das cidades, tanto que estabeleceram uma revisão a cada dez anos.

O Plano Diretor, concebido pelos urbanistas da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs e chancelado por Brizola, foi aprovado em 1959.

Em 1964 veio  o golpe militar e vieram os prefeitos nomeados. O Plano resistiu, até por que dos quatro mandatos nomeados, dois foram ocupados por Guilherme Socias Villela, economista de grande sensibilidade para as questões urbanas.

Quando voltaram as eleições para prefeito, em 1986, elegeu-se Alceu Collares. O plano tinha quase 20 anos e não passara por uma revisão.  O setor imobiliário acumulara forças e os próprios planejadores reconheciam a necessidade de mudanças adaptativas a uma nova realidade.

Mas o que ocorreu no governo municipal de Collares não foi a revisão de um Plano Diretor da cidade.

O que ocorreu foi o início do desmonte da estrutura pública que garantia um planejamento urbano com alguma independência do setor que obtém seus lucros da venda do espaço urbano.

Os governos petistas (1988/2003) conseguiram conter a onda até por ali.  A revisão de 2009 já foi sob a égide do setor imobiliário.  A partir dali, as revisões foram sendo adiadas, enquanto leis especificas, como a do Centro Histórico e o Quarto Distrito,  iam detonando a ideia de um planejamento que estabelece regras tendo em vista a cidade como um todo.

As cidades são organismos vivos e se reinventam.  Mas colocar o desenvolvimento de uma capital como Porto Alegre sob domínio de um setor econômico, para o qual praticamente não há regras…

IAB debate reforma urbana e financeirização das cidades

O IAB RS promove o evento “Territórios, habitação e reforma urbana em tempos de financeirização das cidades”, para discutir o contexto de Porto Alegre no que se refere às questões de disputas dos territórios, moradia, acesso à terra, a revisão do plano diretor e o olhar sobre as novas transversalidades que devem compor as propostas para a renovação dos paradigmas da reforma urbana.

O Seminário é integrante dos eventos preparatórios para o evento nacional de comemoração aos 60 anos do Seminário Nacional de Habitação e Reforma Urbana, marco da discussão sobre habitação e reforma urbana no país.

O evento conta com duas atividades:🟣 Palestra de abertura: “Processos de financeirização e decrescimento populacional em contexto de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre”
📅 04/10 (quarta-feira)
🕰️ 19h
📍 Solar do IAB/RS: Rua General Canabarro, 363 – Centro Histórico, Porto Alegre
💬 Convidados: Clarice Oliveira (IAB RS), Mário Lahorgue (Observatório das metrópoles), Nicole Almeida (doutoranda do PROPUR/UFRGS). Mediação: Vanessa Marx (Observatório das metrópoles).

🟣 Plenária aberta: “Territórios, habitação e reforma urbana em tempos de financeirização das cidades”
📅 07/10 (sábado)
🕰️ 9h-12h
📍 Solar do IAB/RS: Rua General Canabarro, 363 – Centro Histórico, Porto Alegre
💬 Convidados: Ceriniani Vargas (MNLM e Despejo Zero), Eduardo Osório (MTST), Antonio Ezequiel Morais (UNMP), Michele Rihan (Preserva Belém Novo e Preserva Arado), Paulo Guarnieri (4D) e Francisco Milanez (Agapan) em uma mesa de provocações de temas. Mediação: Betânia Alfonsin (IBDU) e Douglas Martini (Arquiteto Popular).
(Informações da Assessoria de Imprensa)

Cais Mauá: projeto prevê seis prédios residenciais e três comerciais na área das docas

As entidades que integram o movimento em defesa do Cais Mauá se debruçam esta semana sobre os detalhes do projeto de revitalização apresentado na audiência pública de quinta-feira, 28.

O projeto é considerado um avanço em relação ao anterior, mas a solução apontada para os terrenos das docas, que representam mais de um terço do total da área do Cais, provoca muita polêmica.

A proposta é que esses terrenos, que somam 65 mil metros quadrados, sejam vendidos para financiar a recuperação dos armazéns e dos bens tombados e a urbanização de todo o cais.

Avaliada em R$ 94,3 milhões,  a área das docas seria destinada a um megaempreendimento imobiliário, com a construção de nove edifícios – um hotel, dois prédios corporativos e seis prédios residenciais.

Na apresentação não foi informada a altura que terão estes prédios, mas consta do Masterplan que serão construídos  900 apartamentos, de tamanhos variados, para uma estimativa de 2.700 moradores.

Pelas maquetes apresentadas, são prédios com 20 andares ou mais.

O Plano Diretor de Porto Alegre limitava em 18 andares a altura máxima na região central, mas com a mudança proposta pelo Executivo e aprovada na Câmara Municipal no final do ano passado, não há mais restrições.

Na apresentação desta quinta-feira, os autores do projeto tiveram o cuidado de mostrar imagens menos impactantes do que as que foram mostradas na prévia apresentada no Palácio Piratini, em novembro do ano passado.

Veja aqui a apresentação na audiência pública:

Estas foram as imagens apresentadas na audiência de quinta-feira, 28

As imagens abaixo foram mostradas na apresentação preliminar no Palácio Piratini, no ano passado: 

Plano Diretor: revitalização do centro inicia série de projetos que fatiam a reforma

Com atraso de dois anos, a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre começará em fatias.

Três projetos já estão em tramitação na Câmara de Vereadores propondo alterações no regime urbanístico da cidade para abrir caminho para grandes projetos imobiliários.

Centro Histórico será o primeiro da lista

Anunciado em março, apresentado em agosto, o Projeto de Revitalização do Centro é o primeiro de uma série de propostas que alteram o regime urbanístico da cidade.

O projeto de revitalização prevê o adensamento do centro, hoje com 45 mil moradores segundo o IBGE. A ideia é criar estimulos para dobrar essa população.

Um dos mecanismos para isso é o “solo criado”. Já foi identificado um potencial construtivo de  1,180 milhão de metros quadrados. A intenção da Prefeitura é atrair novos investimentos da construção civil com a premissa de  requalificar a região.

A prefeitura estima arrecadar R$ 1,2 bilhões com  a venda de solo criado, que é o que a empresa paga para construir além do preestabelecido no terreno.

Detalhe: as empresas não precisarão desembolsar esse dinheiro. Poderão pagar em contrapartidas, fazendo melhorias  na região central.

Outra questão é a obrigatoriedade de um Estudo de Viabilidade Urbana para os novos empreendimentos que está sendo retirada. “A ideia é detalhar esse território do centro e criar uma normativa diferente do que é feito, para a gente dar mais celeridade aos processos de licenciamento porque as regras vão estar pré-estabelecidas” ,explicou em entrevista ao Jornal Já, o secretário municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm.

O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS) divulgou um relatório com mais de 40 páginas para justificar sua oposição ao projeto, que segundo a avaliação da entidade, só favorece à especulação imobiliária.

ARADO, INTER e 4º Distrito

O prefeito tem ampla maioria na Câmara, para aprovar sem dificuldades. Depois dele estão na pauta do legislativo outros dois projetos que alteram o regime urbanístico da cidade; Arado e Inter.

É antigo o interesse em transformar os 426 hectares de área da Fazenda do Arado Velho, localizado no Bairro Belém Velho, extremo Sul de Porto Alegre em um condomínio de luxo para mais de duas mil casas.

Na casa senhorial vivia o empresário Breno Caldas, magnata da imprensa gaúcha que faliu em 1985.  O terreno  foi comprado dos herdeiros pela Arado Empreendimentos, do grupo Ioschpe, em 2010.

Em 2015 a Câmara de Vereadores aprovou a Lei Complementar 780/2015, que alterou o Plano Diretor, retirando a área da Zona Rural e permitindo a construção do empreendimento.

Em abril de 2017, uma liminar atendeu ação movida pelo Ministério Público e suspendeu a lei. O MP alega que a lei foi aprovada sem audiência pública, conforme determina o art. 177 da Constituição Federal.

Não houve também, segundo o MP, a devida avaliação dos danos ambientais que podem ser causados pelo empreendimento. Em agosto do mesmo ano a lei foi suspensa pela  4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Em 2018, a área foi ocupada por indígenas que reivindicam direito histórico sobre o local.

Em 2020 a Câmara aprovou novamente uma proposta que altera limites previstos no Plano Diretor e permite construções na área: projeto de Lei Complementar nº 16/20.

O projeto não foi sancionado pelo prefeito Melo que enviou um novo projeto com o mesmo objetivo de alterar o regime urbanístico da área para viabilizar o empreendimento. É o que vai ser votado na sequência.

Ao lado do Beira Rio

Não menos polêmico é o caso do empreendimento imobiliário que pode ocorrer no  terreno do Sport Club Internacional.  A área cedida ao clube pelo município na década de 50 para a construção do Beira-Rio prevê que não haja outra construção que não seja em favor da entidade.

Projeto de Lei Complementar do Executivo nº 004/19 autoriza a realização de um empreendimento imobiliário em uma área de 2,5 hectares.

Em princípio serão dois edifícios privados, um de 27 e outro de até 43 andares, ao lado do Beira-Rio.

A ideia é desmembrar da área total ocupada pelo estádio e pelo Parque Gigante uma parcela a ser dividida ao meio. Metade seria usada para erguer os prédios e a outra, transformada numa praça de acesso público.

O projeto ainda não passou pelo Conselho do Clube e o debate interno é intenso. Há grupos de torcedores contra o empreendimento.

Para o 4o. Distrito, antiga área industrial da cidade hoje degradada, prepara-se um projeto semelhante ao do Centro Histórico.

Técnicos da Prefeitura já trabalham no projeto como revelou a diretora de planejamento urbano e sustentável da Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Patrícia Tschoepke.

“Estamos estudando o 4° distrito, nos mesmos moldes do centro-histórico. Com base em vários estudos que já foram feitos, estamos avaliando para apresentar um projeto para essa região. Estamos estruturando, não há data” explicou Patrícia.