Travessia de Viamão (4): Aos 50 anos, Parque de Itapuã é um ‘santuário’ da biodiversidade

Por Cleber Dioni Tentardini *

Não existe uma unidade de conservação no Rio Grande do Sul com a mesma diversidade de ecossistemas do Parque Estadual de Itapuã (PEI), que completa 50 anos neste 14 de julho.

Localizado na zona de transição entre os biomas Mata Atlântica e Pampa, o parque abrange ilhas, lagoas, praias, banhados, dunas, vegetação de restinga, floresta estacional e morros graníticos, distribuídos em 5.566 hectares.

Diferente de uma estação ecológica ou de um refúgio de vida silvestre, onde são permitidos visitantes somente para educação ambiental e pesquisa científica, a área é de uso público. Especialmente no verão, quando a população busca a calmaria das suas praias com águas balneáveis.

São nove praias: das Pombas, da Pedreira, da Onça, do Araçá, do Sítio, do Tigre, do Cascalho, de Fora e Prainha. Mas apenas as duas primeiras estão abertas. A Praia de Fora aguarda obras de infraestrutura. As demais têm limitações de acesso.

Praias da Pedreira, de Fora e das Pombas (abaixo, na sequência)) são as que, normalmente, estão liberadas para uso público. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

No parque, são encontrados animais como leão baio (puma), graxaim, ema, capivara, carcará, jacaré, serpente, bugio-ruivo, tuco-tuco, gato maracajá, 29 espécies de anfíbios, 39 espécies da flora endêmicas e com um algum grau na lista de espécies ameaçadas de extinção, como o topete de cardeal e a corticeira do banhado.

Caranguejeira.
Graxaim. Fotos: Mariano Pairet/SEMA

 

 

 

Ouriço
Puma captado por armadilha fotográfica

 

 

 

A bióloga Dayse dos Santos Rocha, analista ambiental da SEMA, assumiu a gestão da unidade faz seis anos e diz que trabalhar em uma área de preservação como essa, onde é permitida visitação pública, é um desafio diário para coibir atropelamentos dos animais, invasões, caça e pesca ilegais, supressão de árvores, subtração de plantas, pedras.

Dayse Rocha, a gestora do Parque Estadual de Itapuã/ Cleber Dioni

“O nosso trabalho é focado na conservação dos ecossistemas, pesquisa científica, uso público e educação ambiental. Temos que ser versáteis para conversar com escolas, pescadores, assentados, indígenas, pesquisadores, produtores rurais”, destaca a bióloga.

Segundo a gestora, já convenceram dois produtores convencionais a plantar o arroz orgânico no entorno da unidade.

– É importante essa redução do uso de pesticida na água, que vai para o solo, contamina as águas subterrâneas, enfatiza.

Ambientalistas salvaram a reserva

Itapuã significa ponta de pedra, na língua Guarani. Os primeiros habitantes de Itapuã foram os povos indígenas de tradição Umbu e Guarani.

Granito em abundância. Foto: Cleber Dioni

A extração do granito de Itapuã foi muito grande na década de 1960 e só não continuou porque a Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural), liderou uma campanha nos anos de 1970 para transformá-lo numa reserva ecológica.

– Aquilo é uma das paisagens mais bonitas e ricas do mundo. Mas estava praticamente abandonada. Tinha mais de trinta pedreiras atuando nos morros. Felizmente, parece que vamos conseguir impedir a destruição, disse José Lutzenberger, depois de realizar uma inspeção de rotina no parque de Itapuã, nos anos 1990, na época uma área de 1.500 hectares.

Parque Estadual de Itapuã, Lago Guaíba e Ilha do Junco (à dir.) e Lagoa Negra e Laguna dos Patos (à esq.). Google Earth

Hilda Zimmermann, uma das ativistas mais importantes do movimento ecológico do RS, registrou que havia muita extração de pedras e areia, pesca e caça predatórias. “Certa que certa vez fomos em dois ônibus e convidamos a imprensa para ir ver as pedreiras de Itapuã, que eram exploradas por um ministro de Brasília. Parem as marteladas, gritávamos. Saiu na primeira página um homem com cara de apavorado e eu com as mãos na cintura”, lembrou Hilda no livro Pioneiros da Ecologia (Editora JÁ).

Vista das praias do parque, a partir do Morro da Fortaleza. Foto: Cleber Dioni

A área foi declarada de utilidade pública em dois momentos, nos anos de 1973 e 1976.

O Parque Estadual de Itapuã (PEI) foi transformado em uma unidade de conservação de proteção integral do Estado somente em 1991, já com 5.566 hectares, incluindo a Lagoa Negra. Dois anos depois, incorporou as ilhas das Pombas, do Junco e da Ponta Escura.

Pesquisadores da SEMA na Lagoa Negra, dentro do Parque de Itapuã. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

 

 

 

 

 

Detalhe: a gestão era feita pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, pois não havia órgão específico do Estado para cuidar do meio ambiente.

Unidade foi fechada para retirada de moradias

Até 1990, havia 880 casas com moradores dentro do Parque de Itapuã. As praias recebiam ônibus turísticos aos finais de semana. A Praia das Pombas, por exemplo, que suporta 350 visitantes, chegava a ter mil pessoas.

“Lotearam, venderam terrenos e transformaram a reserva em um balneário, sem nenhum regramento sob aspectos ambientais. Isso, associado à extração do granito”, ressalta a gestora Dayse Rocha.

A desocupação começou em 1991, com o parque interditado para demolição das casas. O Estado indenizou os donos de imóveis regulares, com escrituras, e muita gente entrou em negociação com o governo. Dívidas viraram precatórios e algumas ainda não foram pagas.

“Isso explica, em parte, um certo inconformismo das comunidades do entorno com o Parque. Também, porque cortamos a extração de granito, a entrada de milhares de veranistas, coibimos a caça, a pesca predatória, especialmente na época da piracema (subida dos peixes nos rios para a reprodução), também chamada de período do defeso, a lei que protege as espécies.

Além disso, reclamamos dos resíduos sólidos deixados na praia externa ao parque, dos pesticidas nas lavouras”, explica Dayse. O parque foi reaberto em 2002 e vem se recuperando bem, segundo a gestora.

Aspilia montevidensis
Bromélia
Cattleya intermedia
Dickia
Gravatá
Mamica de cadela

 

Mandevilla coccinea
Cactus Parodia Ottonis
Topete-de-Cardeal

 

 

 

 

 

 

Um passeio até o Farol de Itapuã da Lagoa

Farol garante segurança aos navegadores, iluminando mais de 22 quilômetros. Foto: Cleber Dioni Tentardini

A reportagem saiu de lancha, do terminal do Catamarã, em frente ao Mercado Público de Porto Alegre, em direção a Viamão, passando pelo Parque Estadual de Itapuã, pelo Farol, até entrar na Laguna dos Patos.

É uma das maiores do Brasil, com cerca de 300 km de comprimento e margens baixas. A profundidade máxima é de 7 metros. Diz-se que seu nome é proveniente da tribo dos índios patos, que habitavam a região. Atualmente, abriga uma ativa comunidade pesqueira.

Está separada do mar por uma faixa arenosa, com largura que varia de 10km a 36km. Diversas cidades desenvolveram-se às margens da lagoa e dos rios que ali deságuam, dentre elas, Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande.

Na condução da lancha, Hugo Eugenio Fleck, empresário do setor de transportes terrestre (Ouro e Prata) e fluvial (Catamarã), e um auxiliar.

Gaúcho de Crissiumal, Fleck acumula experiência de 60 anos de navegação em vários países. Começou aos 15 anos, com um barco comprado pelo seu pai, navegando justamente pelas águas do Delta do Jacuí e do Guaíba.

Hugo Fleck navega desde criança pelo Guaíba. Foto: Cleber Dioni Tentardini

“Pela costa da Capital, em direção à zona Sul, só é possível atracar em dois clubes náuticos ou no ponto de embarque e desembarque do Catamarã, em frente ao Barra Shopping. Agora liberaram outro terminal no Pontal do Estaleiro, mas a burocracia é muito grande, demora uns cinco anos para aprovarem”, lamenta Fleck.

Passava das 9h, e o vento começara a virar do Norte para o Sul. Segundo Fleck, o microclima da região pode provocar ondas.

Ele também estava preocupado com os bancos de areia e as redes, levando em conta a sinalização deficitária. “As pedras são um problema somente próximo à terra firme, explicou o empresário.

Na travessia, é possível avistar os bairros Assunção, Ipanema, Ponta Grossa e Belém Novo até chegar em Viamão. Passados clubes náuticos, pequenas enseadas particulares e as praias da unidade de preservação, surge o Farol de Itapuã e, logo, a Laguna dos Patos. Alguns barcos com pescadores emolduravam a paisagem

Proximidades do farol são locais preferidos dos pescadores. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Atrás do Farol, embora encobertas pela mata, ainda podem ser vistas ruínas de um pequeno forte erguido pelos Farrapos para barrar a entrada dos inimigos do Império.

Pouco antes do meio-dia, o barco ancorou na Colônia de Pescadores e Agricultura Z4, em Itapuã, distrito histórico, à beira da Prainha, onde moradores e turistas têm à disposição escolas, igrejas, agências bancárias, lojas, bares e restaurantes, supermercados, posto policial, além de clube náutico e pousadas.

Farol ilumina até 22km

Farol de Itapuã da Lagoa. Foto: Egon Filter

Desde o início do século 19, os navegantes que se aventuravam por suas águas ressentiam-se da ausência de referências visuais que os ajudassem a alcançar aqueles portos em segurança. Requisitavam um farol, sobretudo, para a Ponta de Itapuã, que sinalizaria a foz do Guaíba, e o acesso a Porto Alegre.

Inaugurada somente em março de 1860, a torre de alvenaria tem forma octogonal, e mede 16,25 metros de altura. A sua volta ficam as casas dos faroleiros, protegidas do vento e das águas da lagoa por um paredão de pedras. Pintadas de branco, as construções contrastam com a vegetação e as pedras da Ponta de Itapuã, formando um dos cenários mais bonitos da Laguna dos Patos.

Construção cercada de pedras e vegetação do Parque Estadual de Itapuã. Foto: Cleber Dioni

Em 1903, após 40 anos de funcionamento, o obsoleto aparelho luminoso de Itapuã foi substituído por um Barbier, Benard & Turenne, com queimadores de vapor de petróleo comprimido.

Em 1914, uma comissão da Superintendência de Navegação aprovou, por unanimidade, o emprego de um revolucionário sistema de iluminação automático com gás acetileno.

Farol de Itapuã da Lagoa. Foto: Egon Filter

A partir de 1915, Itapuã da Lagoa, já modernizado, dispensava a assistência permanente do faroleiro.

Hoje, são utilizadas baterias como fonte de energia, e estas, alimentadas durante o dia por painéis solares (energia fotovoltaica).

baterias como fonte de energia, que são alimentadas por painéis solares. Foto: Cleber Dioni

O farol possui uma lanterna de lente de acrílico com um eclipsor no interior. Eclipsor é um dispositivo eletrônico.

O alcance luminoso é de 12 milhas náuticas, mais de 22km, suficiente para iluminar toda a foz do Guaíba. O acesso se dá somente pela água. A operação é de responsabilidade da Marinha do Brasil.

Vestígios farroupilhas no Morro da Fortaleza

A reportagem percorreu a trilha Fortaleza, um dos três percursos oferecidos pela administração do parque.

Godoy

O educador ambiental João Godoy Fagundes guiou a equipe em uma caminhada de quase três horas, levando em conta as paradas para fotos, vídeos, apontamentos da fauna e flora e de registros históricos.

A subida é íngreme em vários trechos dessa trilha e exige um bom preparo físico. O ronco dos bugios acompanha os visitantes durante quase todo o trajeto.

No caminho, há vestígios das trincheiras onde os soldados ficavam à espreita das tropas inimigas. Os Farrapos dominaram Viamão por quase toda a guerra. Tanto é que foi rebatizada de Vila Setembrina, 1838. E os morros permitiam uma visão ampla da região.

Morro da Fortaleza, onde os Farrapos posicionaram a artilharia para barrar a passagem dos imperiais. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

 

Vestígios das trincheiras

O líder dos farroupilhas, general Bento Gonçalves da Silva, tinha raízes em Viamão. Sua mãe, Perpétua da Costa Meireles, nasceu e foi batizada no município, e seu bisavô, Jerônimo de Ornellas Menezes e Vasconcellos, povoou os campos de Viamão a partir de 1732.

Livros contam que os insurgentes posicionaram canhões no topo do Morro da Fortaleza voltados para um trecho do Guaíba defronte à Ilha do Junco a fim de impedir a passagem dos navios imperiais provenientes da Laguna dos Patos rumo à Porto Alegre.

Em 1836, uma força imperial conseguiu desembarcar na praia das Pombas – chamada de Saco do Faria, na época – e seguiu por terra até a Fortaleza, onde as refregas provocaram 32 mortes e vários foram presos. O comandante farrapo Simão Barreto teria sido colocado pelos legalistas no cais da vela de um dos barcos, onde morreu.

Balas de canhão, adagas, espora encontradas nas praias do parque

Foram encontradas balas de canhão, adagas, espadas, ganchos, até esporas, indicando que os revolucionários ocuparam os morros também a cavalo. Muitos desses materiais estão no museu do parque estadual. Outros, ficaram soterrados ou perdidos em meio à mata, de difícil acesso.

Há ruínas da época dos Farrapos também atrás do Farol de Itapuã, na embocadura do Guaíba.

Passo do Vigário

Em uma das escaramuças morreu o revolucionário italiano Luiz Rossetti, um dos principais redatores do jornal O Povo, órgão oficial da República Riograndense.

Carbonário e companheiro de Garibaldi, Rosseti, foi vítima de uma lança*, durante a tomada de Viamão pelos imperiais no dia 24 de novembro de 1840, na Batalha do Passo do Vigário (*site Viamão Antigo, editado por Paulo Lilja).

*Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo.  

Travessia de Viamão (2): Programa alia produção de alimentos a práticas socioambientais

Por Cleber Dioni Tentardini *

Com a abundância de terra, água e reservas naturais, é natural que a vocação do município se volte para a produção de alimentos. Mas, que alimentos?

O engenheiro agrônomo Claudio Fioreze, coordenador do Programa EcoViamão – curso de extensão do IFRS Campus Viamão – defende que o município esteja cada vez mais voltado para práticas ecológicas, criando zonas de amortecimento no entorno das reservas com produção orgânica.

– É o potencial natural de Viamão, diz o professor.

EcoViamão surgiu em 2016 com o propósito de implantar  atividades agroecológicas de ensino, pesquisa, extensão e inovação.

Fioreze lembra que 37% do território é composto por unidades de conservação, de proteção integral e de desenvolvimento sustentável. Ou seja, mais de um terço do município.

– Os assentados estão provando que é possível a convivência da produção com a conservação. Começaram a primeira lavoura de soja orgânica certificada de Viamão. Outros tantos produzem arroz orgânico. Lá em Itapuã, o biólogo Lizandro Pelegrini também está plantando arroz orgânico, na propriedade do O Butiá, ressalta Fioreze.

Fioreze (à dir.) visita produção de soja orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir /Emater
Soja Orgânica no Assentamento Filhos de Sepé. Foto: Gladimir/Emater

Mas ainda faltam incentivos, segundo ele. O professor cita a cidade de Nova Santa Rita, onde os assentados tiveram apoio do poder público e estão bem organizados, têm agroindústria, abatedouros para carne suína, bovina, frango e outras coisas.

– E Viamão, com esses ativos ambientais poderosíssimos, algo raro de se ver no Brasil afora, precisa do apoio dos governos. Tem que incentivar os produtores com boas práticas ecológicas com a redução do imposto CDO – Contribuição para o Desenvolvimento da Orizicultura. Eles já estão prestando um serviço ecossistêmico importante para a APA do Banhado Grande, para o Gravataí, deixando a água mais limpa, menos turva, ao reduzir o uso de agrotóxicos, ao não utilizar adubos industriais solúveis, ao não mobilizar demais o solo, destaca o professor.

Fiorezi integra o Conselho do Parque Estadual de Itapuã, o Conselho da APA do Banhado Grande, é vice-presidente do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, e também é membro do Fórum Gaúcho de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, cuja coordenação é do Ministério Público Federal.

APA dp Banhado Grande. Foto: Ricardo Aranha Ramos/SEMA

O professor ressalta que Viamão está no estômago de uma Região Metropolitana com cerca de 4 milhões de habitantes, num raio de 60km. Se incluir todo o litoral Norte, segundo ele, são mais seis milhões de pessoas num raio de 100km.

– E quem alimenta esse povo, questiona o ex-extensionista rural da Emater. “Toda a produção de arroz orgânico do Estado dá 5 mil hectares em um universo de um milhão de hectares, então nós temos meio porcento do arroz gaúcho ecológico, enquanto nós poderíamos ter muito mais, diminuindo custos e agregando valor para quem produz. Viamão poderia plantar entre 30 e 40 mil hectares de arroz e todo orgânico, ecológico, e sem muito trabalho. Mas ainda existe muito preconceito com a agroecologia, com o MST, e está dentro das universidades, da Academia, com aquele discurso que a produção de base ecológica pode não sustentar a alimentação do mundo, o que é uma grande bobagem. Primeiro, porque a fome no mundo não é por falta de comida, mas por desigualdade de renda. O que se produz hoje dá para alimentar duas vezes a população mundial. Segundo, porque só o que é desperdiçado – segundo a FAO/ONU representa 30 a 40% do que é produzido -, daria para alimentar todos que passam fome. O desperdício se dá por preconceito cultural, desinformação.

Outra pauta em curso é a cobrança pelo uso da água.

– A Bacia do Gravataí é pioneira em implementar essa política com a ideia de premiar as boas práticas. Não é um debate fácil, tem muitos atores com interesses diferentes, mas têm que ir costurando. Se houvesse mais poderes, mais instrumentos econômicos nas mãos desse e de outros comitês, os resultados seriam muito melhores, não só para o Gravataí, mas para todas bacias hidrográficas do Estado.

Assentamento Filhos de Sepé prioriza comida orgânica

A maior plantação de arroz orgânico da América Latina fica em Viamão, no Assentamento Filhos de Sepé, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Mais de 1,5 mil hectares plantados de arroz,, que rendem em torno de 100 sacas por hectare.. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

Orgânico quer dizer que não há uso de agrotóxicos ou culturas transgênicas.

De acordo com o presidente da Associação dos Assentados Filhos de Sepé, o técnico agrícola Ivan Prado Pereira, há 376 famílias, registradas no Incra e, dessas, 130 estão envolvidas com o arroz. São 1,6 mil hectares plantados, o que rende em torno de 100 sacas por hectare.

Agricultores mais antigos, do Assentamento A Reforma, em Itapuã, da época do governo Leonel Brizola (1959-1962), também produzem arroz orgânico.

Pereira diz que é difícil precisar quantas pessoas vivem hoje no assentamento porque muitos foram para lá solteiros, ou somente o casal, aí separaram um pedacinho para a casa do filho e da filha, que também formaram família, e trabalham na mesma terra.

– A estimativa é que morem aqui umas 750 famílias, afirma Pereira.

O assentamento surgiu no final de 1998. Este assentamento é diferente dos demais no Brasil. Está dentro de uma Área de Proteção Ambiental – APA do Banhado Grande. E totalmente livre de produto químico na lavoura, tanto na horta como no arroz.

Barragem

A terra livre de agrotóxicos pertence ao INCRA e é cedida para os assentados trabalharem. Possui 9,6 mil hectares, e desses, cerca de 2,3 mil integram o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos. Só a barragem tem 500 hectares de lâmina d’água.

O tamanho dos lotes gira entre de 1 a 3 hectares a parte alta, no entorno da casa, onde as famílias têm sua horta, pomar, galinhas, porcos, e entre 13ha e 16ha na parte baixa, da lavoura. Muitos têm criação de gado de corte, alguns têm vaca de leite. Há famílias ligadas à produção de hortaliças orgânicas, mel.

O Filhos de Sepé possui a escola municipal Nossa Senhora de Fátima, o colégio Josué de Castro, uma escola técnica, e faculdades de Agronomia, Medicina Veterinária, História, e o EJA, com cerca de 150 alunos ao todo.

A associação mantém parceria com a Emater, IRGA, Instituto Federal e UFRGS na área de biotecnologia, estudos para melhoramento do solo e da produção.

O casal Itor e Lurdes Cardoso chegou no Filhos de Sepé em 2013, quando passou a trabalhar somente com produtos orgânicos e pecuária.

Lurdes garante que só trabalha com produtos orgânicos. Fotos: Cleber Dioni Tentardini

O lote da família é de 10,7 hectares, dividido em duas áreas, a parte da casa e o entorno, onde estão as hortaliças, legumes e as árvores frutíferas, e a outra, maior, onde cria 12 vacas, de leite e de corte, e produz milho.

Itor na feirinha no centro de Viamão

As duas filhas já casadas, Iara e Ana Claudia, permanecem no assentamento, e a mais nova, Ionara, ajuda os pais após o colégio. A produção é vendida na Praça Júlio de Castilhos, no centro de Viamão, e através de entregas à domicílio.

– A demanda aumentou bastante durante a pandemia, agora diminuiu um pouco, mas ainda levamos para Porto Alegre e muitos nos encomendam e buscam lá na nossa banca, explica Lurdes.

Nilza Padilha e Elói Kremer vivem no Filhos de Sepé faz 23 anos. Produzem numa área de 12 hectares hortaliças, frutas, legumes e o arroz orgânico, que é beneficiado na agroindústria da cooperativa em Eldorado do Sul, o Terra Livre. Também criam galinhas e vendem ovos.

Comercializam os produtos em duas feiras de Viamão e também entregam à domicílio. Faz pouco tempo, Elói introduziu a agroflorestal em suas hortas.

Elói

Nilza

 

 

 

 

 

O casal é jovem, idades em torno dos 53 anos, mas o trabalho duro no campo já preocupa o futuro, pois as duas filhas, de 17 e 22 anos, não permanecerão no assentamento. Jéssica, a mais nova, faz curso técnico de enfermagem, e Renata cursa Direito em Florianópolis.

José Derli de Alves, de Nonoai, é outro assentado com mais de 20 anos em Viamão. Além do hortifruti, cria vacas e produz derivados do leite. Vende em feiras e por encomendas. Seu Deco é um homem de sorte, tem vários ajudantes. Trabalha ele e mais quatro, às vezes cinco filhos. Os outros sete filhos já casaram e arrumaram outras ocupações.

Deco na feira do Centro

– Tem que ser, né, porque não dá para parar, as verduras estragam, as vacas não esperam, como dizem, quer ter vaca de leite, casa com ela, se diverte seu Deco.

 

 

“É possível produzir alimentos sem venenos”

Trinta anos atrás, o casal Valcir Carpenedo e Ingrid Bergman Inchausti de Barros decidiu mudar de vida de forma radical. Trocou a rotina em um apartamento na movimentada avenida Cristiano Fischer, bairro Petrópolis, em Porto Alegre, por um sítio de meio hectare no bairro Tarumã, em Viamão. Compraram e reformaram a casa que era a sede da fazenda de Tarumã.

Carpenedo

– Buscamos o meio rural como projeto de vida e queríamos provar para nós mesmos que era possível produzir alimentos sem veneno, afirma Carpenedo.

O casal implantou um viveiro com a proposta de produzir hortaliças, chás, temperos isentos de qualquer química.

Carpenedo tem mudas de hortaliças, vegetais, chás e, dependendo da época. algumas frutas,

O pessoal leva ou encomenda as sementes de alfaces, rúculas, brócolis, alho-poró, beterraba, dependendo da época começa as melancias, abóboras, pepino, melão.

– Este espaço nos ajuda a pagar algumas contas, mas o objetivo é reconectarmos à terra. As escolas aqui no entorno trazem os pequenos e a gente nota que ficam admirados em saber como nascem as plantas. Não é de hoje que as crianças estão desconectadas da realidade do campo, as pessoas não sabem plantar um pé de alface, tomate, milho que seja.

Geólogo, especialista em solos, Carpenedo era professor da UFRGS e, hoje, aposentado, ainda dá aulas na Escola Técnica de Agricultura (ETA), onde também estudou.

– Acredito que para produzir é preciso ter um saber holístico das coisas.  Desde a semente até como controlar uma irrigação. A agricultura convencional é bem mais fácil do que a ecológica, porque tu tens que entender todo o processo, entender a planta, a interação com o ambiente. É possível produzir nas bases mais naturais. Aprendemos que se der vida ao solo, ele faz o resto sozinho. Este modelo de agricultura está em prol da comida e da saúde, reforça o professor.

Carpenedo lembra que a localização de Viamão é privilegiada pela quantidade e qualidade da água de que dispõe.

– Nós temos a água que vem do granito, nós estamos no Aquífero Mar de Dentro. Ao arborizar um espaço, a água começa a brotar. A hora que Viamão acordar, vai dar um salto, porque a vocação do município é produzir comida, em vez de commodities. E abrir as portas para as agroindústrias, fazer com que o viamonense trabalhe aqui.

Há cerca de sete anos, ele aceitou convite do amigo Valdon para vender suas mudas na FAE. Gostou tanto que começou a participar de outra feira de orgânicos, no centro de Viamão, com a ajuda do Ricardo Oliveira, seu auxiliar no viveiro.

“As feiras são locais de trocas de saberes muito fortes, cada um ali tem a sua história, sua vivência, ainda temos que conectar mais, trocar mais”, diz.

 

Falta memória das plantas medicinais

Ingrid, engenheira agrônoma, deu aulas durante 39 anos na UFRGS. Especialista em olericultura, ela introduziu o estudo das plantas medicinais na Faculdade de Agronomia e orientou o pessoal sobre as ‘pancs’ (plantas alimentícias não convencionais).

Seu primeiro contato com Viamão foi como estudante da Universidade na antiga estação experimental da Fepagro – Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária -, com o professor José de Almeida Soares. Depois, trabalhou com o técnico agrícola Luiz Osório de Castro, segundo ela, um visionário.

– Ele tinha um conhecimento incrível da flora daqui. Reuniu a maior coleção de plantas medicinais nativas naquela estação experimental e espalhamos por vários lugares, antes de acabarem com a estação e com tudo. Nós temos essa riqueza enorme em Viamão, de fauna e flora, temos esses recursos e mesmo assim ficamos sem registro. Nós trabalhamos muito toda a estruturação da fitoterapia no SUS. Tivemos projetos grandes, no final dos anos 90, com parceria entre UFRGS e Prefeitura de Viamão, Fepagro e UFRGS, e o município esqueceu disso tudo, lamenta a agrônoma.

Segundo Ingrid, duas pessoas conseguiram potencializar o trabalho do Luiz Osório, a Vera Chemale e a Ana Rosa reuniram em livro (Plantas Medicinais Condimentares e Aromáticas) o conhecimento acumulado de muitos anos.

Pioneiros da FAE

Valdon, Lisiane e a filha Lilian colhendo as hortaliças para vender em Porto Alegre. Fotos: Cleber Dioni

A família Wegner é uma das pioneiras da Feira de Agricultores Ecologistas (FAE), que acontece todos os sábados pela manhã na avenida José Bonifácio, em frente à Redenção.

A reportagem acompanhou o trabalho da família meses antes dela arrendar o sítio e sair da FAE. Seu Valdon e a esposa Lisiane decidiram se aposentar e voltar para Santa Cruz do Sul, de onde partiram rumo a Viamão em 1977. Ele trabalhou seis anos como empregado em um tambo de leite, depois arrendou um sítio e começou a plantar verduras. Vendia em Viamão mesmo e, em 1987, foi convidado a participar da feira Tupambaé, que estava sendo realizada desde o ano anterior na área central do Parque Farroupilha (ao longo do espelho d’água) para comercializar produtos e falar sobre ecologia.

No sítio
Na FAE

A feira Tupambaé (palavra de origem tupi-guarani que significa lavoura do comum) foi o embrião da Feira da Coolmeia, e hoje, a FAE – Feira dos Agricultores Ecologistas.

No sítio de dez hectares, plantavam hortaliças, abóbora, acerola, aipim, batata doce, beringela, cebola, entre outros. E contavam com a ajuda da filha Lilian, que alternava no trabalho como fisioterapeuta e na produção e venda dos produtos. O que não vendia na feira, ficava para consumo da família e uma parte era doada.

O que não vende na feira, fica para consumo da família e uma parte é doada.

– Viamão é uma cidade abençoada com a melhor água,  limpa, impressionante. Temos um poço artesiano lá no sítio com 38 metros de profundidade e tem vertentes por tudo, em cinco hectares de mata nativa. Certa vez, fui visitar um sítio na região da Pimenta, e vi a água brotando, cristalina, conta seu Wegner.

Ovos sem hormônios

Na Quinta da Passiflora, a produção de ovos e mel é isenta de aditivos como hormônios, antibióticos ou drogas veterinárias.

A Quinta surgiu em 1984, quando dois irmãos da família Bos Wolff iniciaram a criação de abelhas em parceria. Aos poucos a família foi diversificando as atividades e começou a plantar frutas e hortaliças, aves e ovos, além do mel, própolis e derivados.

Hoje, é administrada por Edson Marcelo Garcia, a esposa Claudia Wolff e os filhos Marina e Maurício. O casal é outro pioneiro da FAE, na Redenção.

 

Edson Marcelo, produtor de ovos orgânicos da Quinta da Passiflora. Fotos: Cleber Dioni

A Quinta trabalha com 800 frangos. A vida útil das poedeiras é de 120 semanas. Depois, são abatidas, algumas são aproveitadas para o consumo da família e as demais transformadas em adubo.

“Esse é um problema que nós, pequenos produtores, enfrentamos, porque não tem abatedouro para poucos frangos. É um investimento muito alto. Além disso, tem que ter toda uma limpeza específica para lidar com o produto no sistema orgânico e agroecológico”, completa Marcelo.

A veterinária Lisiane Feck Ávila, consultora da Emater de Viamão, explica que a linhagem de frango Izabral é a mais comum entre as poedeiras.

– É um animal pequeno. Começa a pôr ovos a partir dos 5 meses e tem vida útil entre 1,5 a 2 anos, afirma a veterinária.

Os desafios da Emater

O engenheiro agrônomo Gladimir Ramos de Souza, da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS-Ascar), diz que o público em um município grande como Viamão abarca diferentes grupos, como indígenas, quilombos, pescadores, assentados, pecuaristas familiares, produtores orgânicos, grandes produtores de arroz, de soja.

Gladimir registro a visita,com o professor Fioreze à plantação de soja orgânica no Filhos de Sepé.

O extensionista ressalta que estão trabalhando com o sistema SPDH – Sistema de Plantio Direto de Hortaliças. Viamão tem hoje o maior grupo de produtores de foliosas da Ceasa do RS. Segundo ele, é utilizado muito insumo químico, que ocasiona a degradação do solo, então adotaram a experiencia do plantio direto, feito há muito tempo em Santa Catarina e introduzido no estado pela UFRGS, para, futuramente, o produtor trabalhar com orgânicos.

– Prestamos auxílio, capacitação, ajudamos a desenvolver as comunidades dando ênfase à produção orgânica e ecológica. Por exemplo, na Costa do Oveiro, orientamos a produção do leite a pasto, ou seja, com as vacas livres e, não, confinadas. O custo é bem mais baixo. A tendência é que esses confinamentos de suínos, galinhas, acabe logo porque é muito oneroso, explica.

Souza lembra que o primeiro assentamento do Estado foi em Itapuã, “A Reforma”. Três famílias remanescentes dos primeiros assentados moram próximas ao parque de Itapuã e produzem arroz orgânico.

Alguns agricultores do Assentamento Filhos de Sepé também estão produzindo arroz orgânico, de forma experimental , em parceria com o IRGA, Instituto Federal e Emater.

Plantação de soja orgânica

– Estamos trabalhando também com a agrofloresta. No Filhos de Sepé, plantamos meio hectare. Produzir hortaliças no meio de árvores frutíferas, por exemplo, ou eucalipto. Isso, a médio prazo, melhora muito o solo, até chegar no ponto que não é preciso colocar insumos químicos. Os galhos e folhas das árvores que caem vão fertilizando o solo. Isso vai crescer muito nos próximos anos”, acredita o agrônomo.

Colaboraram com a série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo. 

Travessia de Viamão (1): Os caminhos para uma economia sustentável

Cleber Dioni Tentardini *

Quem cruza Viamão pelas rodovias estaduais ou caminha pelas ruas bucólicas do seu centro histórico, não imagina a riqueza ambiental deste município.

Embora ao lado de Porto Alegre, distante vinte e poucos quilômetros do centro, a “velha capital”, sede do governo na invasão espanhola, é pouco conhecida.

A exuberância do meio ambiente salta aos olhos. Rios, lagos, lagoas, banhados, arroios e nascentes estão por todos os lados, nos sítios, nas chácaras, nos parques, nas reservas ambientais.

São mais de 500 quilômetros quadrados de áreas com algum grau de proteção ao meio ambiente, a maioria sob responsabilidade do Estado.

O município tem o maior território da Região Metropolitana, com 1.497km², três vezes a área de Porto Alegre.

Nascentes do rio Gravataí se formam em Viamão. Foto: Ricardo Aranha/SEMA

Essa reserva de água doce, encrustada em rochas debaixo da terra em Viamão, é o Sistema Aquífero Quaternário, também conhecido como Aquífero Coxilha das Lombas, com um manancial permanente de, pelo menos, seis bilhões de metros cúbicos (m³).

Coxilha das Lombas é uma região de paleodunas, um cordão de restingas que inicia em Tapes, passa por Viamão, Santo Antônio da Patrulha e termina em Osório.

Por sua porosidade, esse tipo de rocha esponjosa armazena grandes volumes de águas provenientes da chuva. Leva décadas para percorrer algumas centenas de metros. A rocha age como um filtro natural, que resulta em águas de excelente qualidade.

– Pelas suas características geológicas e hidrogeológicas, o Coxilha das Lombas já foi proposto como um potencial sítio geológico a ser preservado como patrimônio natural da humanidade, assinalou o geólogo Roberto Kirchheim em um relatório para o Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS.

A proteção dos mananciais é uma das preocupações constantes de pesquisadores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) – Campus Viamão, que atuam em várias frentes, em parceria com gestores das reservas ambientais, consultores da Emater, promotores e procuradores de Justiça e ambientalistas.

O Programa EcoViamão, um curso de extensão oferecido pelo IFRS, pauta os seus alunos bolsistas para desenvolverem pequenos projetos junto aos quilombos, às aldeias indígenas e aos assentamentos, que favoreçam os sistemas agroalimentares sustentáveis.

– A transição agroecológica dos processos produtivos ligados à produção de alimentos favorece esse ativo ambiental muito significativo de Viamão, representado por parques municipais, estaduais, unidades de conservação e dos mananciais de água, assim como diversidade cultural dos povos, ressalta o engenheiro agrônomo Claudio Fioreze, professor e coordenador do Programa EcoViamão.

O que é produzido sem uso de agrotóxicos vem aumentando. Viamão é uma das mais importantes regiões de produção hortifrutigranjeiros. Os agricultores participam de feiras em alguns pontos de Viamão e de Porto Alegre, inclusive aos sábados na FAE – Feira de Agricultores Ecologistas.

O Assentamento Filhos de Sepé detém a maior produção de arroz orgânico da América Latina. E cresce a adesão de produtores de soja orgânica também.

Pujança das águas

O Lago Guaíba margeia Viamão até desaguar na Laguna dos Patos. Esse ponto é marcado pela presença do Parque Estadual de Itapuã, uma das reservas ambientais no município, com sítios de valor histórico e arqueológico.  E que abriga a Lagoa Negra e o Farol de Itapuã.

Guaíba deságua na Laguna dos Patos, após o morro do Farol de Itapuã (no horizonte). Foto: Cleber Dioni

Em outra região está a Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande (APABG), que abrange parte dos biomas Pampa e Mata Atlântica e abriga o Refúgio de Vida Silvestre Banhado dos Pachecos.

Parte da APA do Banhado Grande. Foto: Ricardo Aranha Ramos/SEMA

Além das reservas, o município tem ainda o Parque Natural Municipal Saint’Hilaire, que por muitos anos abasteceu a população de Porto Alegre com suas mais de 50 nascentes, e que, ainda hoje, é um dos maiores parques urbanos da área metropolitana.

A maior parte do parque está em solo viamonense, mas até há pouco meses ainda era administrado pela Prefeitura de Capital. Essa situação foi alterada porque Viamão assumiu os 908 hectares em seu território, cerca de 80% do parque. A parte de Porto Alegre tem 140 hectares. Legalmente, existem dois parques Saint’Hilaire, cada um com seus gestores municipais.

Outro marco de Viamão é o Hospital Colônia de Itapuã, criado em 1940 como um leprosário para isolar portadores de hanseníase no âmbito de uma política desenvolvida pelo Estado Novo, de Getúlio Vargas. Localizado em uma área verde de 1.253 hectares, cercado pelo Guaíba, Lagoa Negra e dos Patos, está distante pouco mais de 50 km do centro da Capital.

Hospital Colônia tem mais de 1,2 mil hectares na costa da Lagoa Negra e da Laguna dos Patos e vizinha do Parque Estadual de Itapuã e de reserva indígena Guarani. Foto: Cleber Dioni Tentardini

Transgressões marinhas definiram a conformação do território

O naturalista Auguste Saint-Hilaire registrou em livro* ao cruzar pelos Campos de Viamão em 1820: “Está encravado numa coxilha donde se descortina vasta extensão de campos levemente ondulados, no meio dos quais se levantam tufos de bosque”. (*Viagem ao Rio Grande do Sul”).

Um dos maiores nomes da pesquisa científica no Estado, o padre jesuíta gaú­cho Balduíno Rambo, deixou suas impressões*: “É uma terra de suaves colinas e montanhas de contorno arredondado, com os flancos e os topos cobertos de pastagens, e os vales assinalados por longas e estreitas faixas de matos de galeria”. (*”A Fisionomia do Rio Grande do Sul”)

Terra de suaves colinas e montanhas arredondadas, cobertas de pastagens, assinalou Padre Rambo. Foto: Cleber Dioni Tentardini

O Atlas Ambiental de Porto Alegre é mais específico: “Entre as unidades graníticas mais antigas está o granito Viamão. Caracteriza-se pelo relevo suavemente ondulado, recoberto por sedimentos originados da bacia do Rio Gravataí e Planície Costeira. As transgressões marinhas definiram a conformação do território viamonense, o sistema de lagoas litorâneas e a delimitação da costa sul-rio-grandense”.

Travessia entre os montes

Os povos Tupi-Guarani, primeiros habitantes, chamaram as coxilhas que emolduram os campos de Viamão por “ibias”, e “ibiamon” seria algo como travessia entre os montes.

Essa é uma das explicações sugeridas para a origem do termo aportuguesado. Alguns registros também relacionam ibias com pássaros. Outros, assinalam que, a partir do ponto mais alto de Viamão, era possível avistar os cinco rios que deságuam no Guaíba, sugerindo o formato de uma mão.

A data de fundação do município é 14 de setembro de 1741, ano em que iniciou a construção da Capela Nossa Senhora da Conceição – atual Igreja Matriz. Viamão completou 281 anos, oficialmente.

No entanto, os primeiros registros dos colonizadores remontam ao século 17, com a movimentação de tropeiros, soldados e negros escravizados, entre a Colônia do Sacramento, no Uruguai, e Laguna, em Santa Catarina.

*Colaboraram nesta série de reportagens o repórter fotográfico Ramiro Sanchez e os jornalistas Elmar Bones e José Barriunuevo. 

Fotógrafo registra degelo nas montanhas em todo o mundo; leia entrevista

Por Márcia Turcato

Ele é cidadão do mundo. Mas seus documentos dizem que é brasiliense, apesar de ter nascido em Curitiba e ter parentes em Porto Alegre. Quando menino viajava para a praia de Torres com a família. O diploma universitário, da UnB, entrega que é bacharel em História. Mas ele combina o conhecimento acadêmico com atividades de fotografia, escalada, navegação, organizador de expedições antárticas ou para qualquer outro canto do planeta onde a curiosidade possa provocá-lo.

O dono desse perfil é João Paulo Barbosa, 49 anos de idade, primogênito do químico Antônio e da advogada Joy, tem três irmãos, casado com a professora Aline Bacelar, pai do pré-adolescente Ian, e atualmente tendo a capital paulista como endereço residencial.

João Paulo atuou como pesquisador convidado da Faculdade de Educação da UnB e foi curador do Museu Virtual de Ciência e Tecnologia. Desde 1999, promove cursos, palestras e expedições ao redor do mundo.

Seu trabalho foi premiado, exibido e publicado em cerca de 50 países e reconhecido pela National Geographic Society (EUA, Alemanha e Itália), Smithsonian Institution (EUA), Bruckmann (Alemanha), Banff Centre (Canadá), CICI (Coreia do Sul), The Guardian (Inglaterra),  Glénat (França), Patagon Journal  (Chile) e ICMBio, WWF e Greenpeace no Brasil, entre outros.

Suas fotografias fazem parte de coleções particulares e de acervos como o National Museum of the American Indian, em Washington DC, Museu de Fotografia de Fortaleza (Ceará), Instituto Moreira Salles, Itamaraty e Memorial dos Povos Indígenas.

A partir de 2011, João Paulo começou a fazer viagens rotineiras à Antártica e atualmente está dedicado à documentação fotográfica e histórica das zonas frias do planeta para registrar as alterações provocadas pela ação humana.

Tem 10 livros publicados. O último, de crônicas de viagem, é Caminhos Imprevisíveis, edição limitada, onde ele diz “se eu tivesse que ter apenas um livro, teria um Atlas”.

Conheci o João Paulo há cerca de 30 anos. Estávamos no mesmo grupo que fazia uma trilha de jeep pelo Cerrado. Ele ainda era estudante de História e desde já apaixonado pela Antártica, onde eu já estivera para escrever ampla reportagem para a revista Isto É (edição 582, de 17 de fevereiro de 1988)  e este foi nosso laço em comum. Também estivemos juntos em algumas competições off road e numa reportagem sobre turismo de aventura no Amapá.

Depois perdemos o contato porque João Paulo não parou mais de viajar. E se fosse possível percorrer a galáxia, com certeza ele já teria feito.

Por tudo isso, foi um enorme prazer reencontrá-lo e fazer essa entrevista para que os leitores do JÁ possam conhecê-lo e também o  trabalho que realiza.

JÁ- Qual o principal foco das tuas viagens?

JP-Faço viagens e faço expedições. As expedições envolvem muita logística, equipamentos e pessoas, também tomam mais tempo de preparação e organização.  Varia muito o meu foco, às vezes eu estou participando de um projeto para fazer um livro ou uma exposição fotográfica. Às vezes eu viajo só para fazer uma escalada, como aconteceu recentemente no Paquistão. Mas preciso destacar que a viagem para o Paquistão também envolveu a relação com o clima, porque estou envolvido em um projeto sobre o gelo, é um projeto de quatro anos, estou fotografando o gelo ao redor do mundo e os glaciares do Paquistão fazem parte do projeto. Também faço viagens com cunho social porque  trabalho para algumas organizações não governamentais (ongs), principalmente inglesas, para fazer reportagens. Já participei de expedições científicas, como o projeto Darwin, programas antárticos do Brasil e também do Chile, e projetos com universidades. É bem variado meu leque de temas mas todos eles têm viagens.

JÁ- Como é esse projeto sobre o gelo no mundo?

JP-  O N’Ice Planet​ é um projeto pessoal e consiste na realização, ao longo de quatro anos, ​de ​expedições ao redor do mundo para documentar zonas frias e divulgar as principais questões relativas ao gelo, como os dilemas populacionais​, as migrações por conta de mudanças climáticas e o risco de extinção dos povos árticos. Também mostro ativistas​ ambienta​is que trazem mensagens importantes​​, que fazem alertas sobre os riscos que o planeta experimenta, relato conversas com cientistas e mostro trabalhos de geoengenharia que eles desenvolvem, e também procuro documentar o que está sendo feito para mitigar os efeitos do aquecimento global e o consequente derretimento do gelo. É um projeto inédito e relevante por sua proposta abrangente e popular. Os conteúdos produzidos serão divulgados ​regularmente em redes sociais e diversas mídias com o objetivo de instigar o público a refletir, discutir, indagar e atuar por soluções junto aos governantes.

Documentar a urbanização das mais altas montanhas geladas do planeta é dos mais tristes temas que compõem a minha pesquisa sobre o gelo no Antropoceno (termo empregado pelo químico holandes Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel de química de 1995, para designar uma nova época geológica caracterizada pelo impacto do homem na Terra).

Será que logo mais haverá um hotel sofisticado na montanha K2 (também chamada Qogir Feng, no Himalaia), a exemplo do que já acontece no Aconcágua e no Everest? O black carbon (concentração de fuligem na atmosfera) acelera o derretimento das geleiras. Há 30 mil refugiados do clima na região do Himalaia apenas no último Verão.

JÁ- Qual foi a tua primeira grande viagem?

JP- A primeira grande viagem foi o nascimento, a segunda grande viagem foi minha adoção (João Paulo foi adotado em Curitiba quando tinha  pouco mais de um ano de idade, e veio com os pais  para Brasília. Se considera brasiliense.) A terceira grande viagem  foram os sete meses que vivi na França (João Paulo acompanhou a família durante o pós-doutorado do pai em Paris). Depois disso vieram inúmeras viagens, todas também importantes e inesquecíveis.

JÁ- Quais as melhores viagens e qual a sua região preferida?

JP- Existem muitas melhores viagens. Inclusive a da imaginação, que é viajar quietinho. A viagem a Ásia, que comento em meu último livro (“Caminhos Imprevisíveis”, Editora Caseira e Ateliê Casa das Ideias), foi entre 2007 e 2008.  Fiz uma viagem de 480 dias que foi muito importante pra mim, quando vi o Himalaia pela primeira vez e fiquei alguns meses na região, mas eu gosto muito do deserto do Atacama, gostei muito das duas expedições que fiz ao Pico da Neblina, em Roraima, na área Yanomami, que chamamos de Yaripo, que significa Montanha do Vento. A Patagônia, principalmente os fiordes da Terra do Fogo, que são lugares em que eu frequento de veleiro, é um lugar lindíssimo (veleiro Kotik, de 40 toneladas,  60 pés, cinco camarotes e  espaço para  10 pessoas). E claro, meu lugar preferido é a Antártica, a Península Antártica e a costa oeste da península, que acho muito especial.

JÁ- Quantas vezes você esteve na Antártica?

JP- Neste mês de fevereiro de 2023 eu vou participar da minha nona expedição antártica e será minha sétima embarcado no  veleiro Kotik, do comandante francês Igor Bely.

JÁ- Qual a melhor experiência que você experimentou numa dessas viagens?

JP- Quando eu tinha 18 anos de idade e estava no norte do Canadá,  em Quebec, e vi a aurora boreal foi uma experiência fantástica, eu estava acampado com seis amigos. A aurora boreal durou horas, muito colorida, foi emocionante. Os primeiros mergulhos utilizando garrafa (cilindro com oxigênio) também foram emocionantes. Escalar o Aconcágua (maior montanha da cordilheira do Andes, na Argentina, com 6.961 metros de altura), sozinho, aos 20 anos, também foi muito emocionante. Em 2014, na minha terceira viagem para Antártica a bordo do veleiro Kotik foi incrível porque eu sonhava em viajar nesse barco e com uma galera que eu sonhava muito em estar junto. Durante muito tempo eu chorei de emoção ao chegar na Antártica e chorava de tristeza quando tinha de ir embora. Também preciso falar de uma outra  experiência ótima, quando subo montanhas e vulcões com amigos, sem mídia, sem publicidade, só por amizade e com esforço físico. Em 2020 eu tive a experiência de remar por nove dias, na Antártica, numa canoa polinésia para três pessoas, a V3, e eu remei com dois campeões brasileiros de canoa.  Inclusive eles são representantes do Brasil no campeonato mundial de canoagem  (os remadores  Marcelo Bosi e Rudah Caribe).  Isso foi muito bom.

JÁ- Qual a maior dificuldade que você experimentou?

JP- Essa é fácil. É o estreito de Drake (também chamado de mar ou passagem). Passar o estreito de Drake em um veleiro não é brincadeira não. Eu já passei quase 20 vezes, contando ida e volta. A travessia leva cerca de quatro dias, então é inevitável passar por pelo menos uma grande tormenta. Três vezes foram terríveis, de terror e pânico. Pensei que ia morrer, mas lembrei que estava num barco feito para essa situação adversa, com mono casco de aço, feito por um ex-cientista da Nasa, com uma tripulação incrível, e então não me entreguei emocionalmente, reagi. O corpo fica acabado, mas o espírito aguenta. O estreito de Drake é o maior perrengue da galáxia.

JÁ- Qual a melhor forma de viajar, sozinho ou em grupo?

JP- Eu tenho quatro formas de viajar: sozinho, com a família, com  amigos e por conta do trabalho. Todas são muito legais. Mas eu gosto muito de viajar sozinho e recomendo que todo mundo tenha essa experiência. É muito importante viajar sozinho para aprender, para se misturar com a população local. Entretanto, tem lugares que é muito bom viajar com um grupo de amigos para se divertir com eles, como eu fiz nos fiordes da Terra do Fogo.

JÁ- Você tem parentes em Porto Alegre. Como é essa relação?

JP- Eu tenho uma tia avó, Marília Escosteguy, ela tem 102 anos de idade, mora na rua Jacinto Gomes, no bairro Santana. Ela é uma mulher fantástica, ela apresentava um programa na antiga TV Tupi, quando viveu no Rio de Janeiro. Foi casada com o artista plástico e escritor Pedro Geraldo Escosteguy – de Santana do Livramento-  que também é médico, já falecido. O Pedro tinha um acervo literário e artístico incrível, e que agora está disponível ao público no Departamento de Literatura da UFRGS.

Eu aprendi muitas coisas com a minha avó e também viajei com ela para praias gaúchas, lembro bem de Torres. Aprendi principalmente a ter cuidado com as coisas, a ter carinho com os objetos e com tudo, com as pessoas também, obviamente. Na casa dela tudo é muito cuidado, tudo merece respeito, uma coisa meio assim oriental. E por conta dela eu tenho muito carinho por Porto Alegre.

O MAR DE DRAKE

Mar onde há mudanças bruscas nas condições de temperatura, visibilidade e, principalmente, do vento.  Comandantes de aeronaves e de navios passam por processo de treinamento especial para operar nessa área. O Mar de Drake é o terror dos navegantes. Estima-se que 800 embarcações tenham naufragado em suas águas.

É o ponto mais austral da América do Sul e mais próximo da Península Antártica, com 650 km de extensão e quase cinco mil metros de profundidade, onde os oceanos Atlântico e Pacífico se encontram, se afunilam e se confrontam num grande espetáculo, provocando ondas gigantes.  Até a base brasileira, a Comandante Ferraz, são 900 km de distância.

Mais informações no Instagram: @ joaopaulobarbosaphotography

Área devastada pelo garimpo dobra em dez anos; maior parte em terras indígenas

Em dez anos, o garimpo devastou quase 100 mil hectares de florestas no Brasil.

É o que mostra um relatório divulgado nesta terça-feira, 27, pelo MapBiomas, projeto de monitoramento ambiental.

Em 2010, as áreas abertas pelos garimbeiros chegavam a 99 mil hectares.

No relatório divulgado agora, com dados de 2021, essa área passou para  196 mil hectares.

A área equivale a quase 2 mil km², maior do que a cidade de São Paulo, que tem 1,5 mil km².

Também, segundo o mesmo levantamento, a mineração industrial, feita por grandes empresas, dobrou de tamanho: eram 86 mil hectares de área ocupada em 2010, agora são 170 mil hectares.

Pará e Mato Grosso foram os líderes em perda de floresta para o garimpo.

Na Amazônia, a expansão garimpeira foi maior entre unidades de conservação e territórios indígenas, como os Kayapó e Munduruku.

“A série histórica mostra um crescimento ininterrupto do garimpo e um ritmo mais acentuado que a mineração industrial na última década, além de uma inequívoca tendência de concentração na Amazônia, onde se localizam 91,6% da área garimpada no Brasil em 2021”, explicou Cesar Diniz, coordenador técnico do mapeamento.

Enquanto a mineração industrial é mais diversificada (incluindo minérios de ferro, alumínio, níquel e cobre), o garimpo é focado na obtenção de ouro e estanho.

Juntos, Pará e Mato Grosso representam 71,6% das áreas mineradas no país ao somar a mineração industrial e a atividade garimpeira.

Considerando apenas o garimpo, o percentual sobe para 91,9%. São 113.777 hectares de garimpo no Pará e 59.624 hectares no Mato Grosso.

O relatório revela que a expansão do garimpo na Amazônia é mais intensa em áreas protegidas, como territórios indígenas e Unidades de Conservação.

Entre 2010 e 2021, as áreas de garimpo em terras indígenas cresceram 632%, ocupando quase 20 mil hectares no ano passado.

A terra indígena mais explorada foi a Kayapó, na qual 11.542 hectares foram tomados pelo garimpo até 2021. Em seguida vem o território Munduruku, com 4.743 hectares, a terra Yanomami, com 1.556 hectares, a Tenharim do Igarapé Preto, com 1.044 hectares, e o território Apyterewa, com 172 hectares.

A série histórica mostra que a área ocupada pelo garimpo em unidades de conservação até 2010 encontrava-se abaixo de 20 mil hectares. Em 2021, já eram quase 60 mil hectares, representando um aumento de 352%.

Quase dois terços ficam na Área de Proteção Ambiental do Tapajós, onde o garimpo já ocupa 43.266 hectares.

 

MPF obtém na Justiça reconhecimento de dano moral a indígenas em duas ações

Morosidade na realização de procedimentos administrativos motivou a indenização

A demora do Poder Público em dar andamento a procedimento administrativo e concretizar direitos fundamentais constitucionalmente assegurados levou o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) a dar ganho de causa ao Ministério Público Federal (MPF) em duas ações civis públicas envolvendo indígenas. Além de estipular prazo para o cumprimento dos pedidos feitos nos processos, em ambos os casos foi fixada indenização por dano moral coletivo aos afetados.

Uma comunidade da etnia Kaingang, que espera desde 2009 a identificação e a delimitação de território no distrito de Campo do Meio, município de Gentil (RS), foi uma das beneficiadas. Ainda naquele ano, após instauração de inquérito civil, constatou-se que cerca de 25 famílias, oriundas da Terra Indígena da Serrinha, instalaram acampamento às margens da BR-285. O pedido de regularização fundiária foi registrado em março de 2010 e, em 2017, verificou-se que a reivindicação permaneceu na mesma fase inicial (de qualificação) na Fundação Nacional do Índio (Funai). O fato resultou em ajuizamento de ação civil pública pelo MPF, em 2018, contra a Funai e a União, exigindo prazo para conclusão da demarcação e pagamento de indenização por danos morais coletivos.

O pedido foi julgado parcialmente procedente pela 2ª Vara Federal de Passo Fundo, que reconheceu a morosidade, determinou que a Funai desse andamento aos procedimentos administrativos e atribuiu multa em caso de descumprimento da sentença. Contudo, negou o estabelecimento de prazo certo para a conclusão da demarcação, bem como a condenação por danos morais coletivos.

Ao reexaminar o caso, a 3ª Turma do TRF4 reformou parcialmente a sentença, acolhendo o parecer do MPF. Entendeu que o acúmulo de pedidos, a complexidade do caso ou a carência de pessoal não podem acarretar delonga excessiva do processo, que deve ser finalizado em tempo razoável, em especial quando relativo a reconhecimento de área indígena. Da mesma forma, pelos limites toleráveis de andamento terem sido ultrapassados, considerou o dano moral coletivo cabível e o estipulou em R$ 100 mil, em favor dos Kaingang (veja aqui o parecer encaminhado pelo MPF ao TRF4 e o acórdão da 3ª turma).

Escola em Salto do Jacuí (RS) – Em outra decisão, desta vez exarada pela 4ª Turma do TRF4 em caso que corre em segredo de Justiça, o MPF também obteve o reconhecimento de dano moral coletivo. Nesse, o condenado foi o Estado do Rio Grande do Sul, pela demora em finalizar processo administrativo de revitalização de escola na aldeia Tekoá Porã, da comunidade Mbyá-Guarani, no município de Salto do Jacuí (RS).

A instituição de ensino foi criada via decreto estadual no final de 2008 e, desde 2012, está pendente um processo administrativo de melhorias estruturais. Após diligências, verificou-se, em setembro de 2016, a existência de inúmeros problemas, como frestas nas paredes e no piso, ausência de forro nas salas, fiação elétrica exposta, existência de um único banheiro, entre outros.

Após ajuizamento de ação civil pública, ainda em 2016, o Estado foi condenado a finalizar o procedimento administrativo e realizar licitação para reformar a escola em prazo determinado judicialmente. Mesmo assim, o MPF recorreu para solicitar o reconhecimento de dano moral coletivo devido à demora, o que foi acolhido pela 4ª Turma do TRF4, em benefício dos Mbyá-Guarani: o valor foi fixado em R$ 50 mil.

(Com informações do MPF)

Ambientalistas querem Brasil com desmatamento zero na COP-26

A contribuição mais importante do Brasil na 26ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-26) é o desmatamento zero, principalmente na Amazônia. Essa foi a conclusão da comissão geral, quando a sessão da Câmara dos Deputados se transforma para debater assunto relevante com a participação de representantes da sociedade. A COP26 será realizada entre 1º e 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia.

Na audiência no Plenário da Câmara, na terça-feira, 26, o governo Bolsonaro foi bastante criticado pelo aumento do desmatamento nos últimos anos, flexibilização de regras ambientais, insegurança dos povos indígenas e redução dos orçamentos de órgãos fiscalizadores.
A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, disse que o governo brasileiro anunciou metas ambientais piores que as de 2015. “O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o Pnuma, está divulgando o seu Emissions Gap Report, que é um relatório anual de emissões. E, pela primeira vez, ele inseriu uma análise das contribuições dos 20 maiores países, as 20 maiores economias do G-20. E o Brasil é o único que consta com retrocesso em metas apresentadas junto ao Acordo de Paris.”

Segundo André Lima, do Instituto Democracia e Sustentabilidade, 10 mil km² são desmatados por ano. Para o deputado Bohn Gass (PT-RS), o país chega à COP-26 sem o protagonismo de antes. “Nós temos desmatamento, queimadas, ampliação de uso de venenos, monoculturas, uma destruição completa do ICMBio, da Funai, do Ibama, dos institutos governamentais que poderiam estar fazendo as políticas públicas”, lamentou.

O representante do Movimento Fridays For Future, Ivan Araújo, que vai participar da conferência, pediu que as autoridades façam algo imediatamente. “A história será imperdoável com vocês, porque daqui para frente quem vai escrever a história somos nós, a juventude. A nossa luta é por floresta em pé, por água limpa, por ar puro e por comida sem veneno. É o nosso futuro que está em jogo.”

A diretora-executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, Mônica Sodré, citou pesquisa da rede que mostrou que apenas 29% dos parlamentares consideram o combate ao desmatamento a principal medida ambiental. De acordo com ela, quase todo o desmatamento em 2020 foi ilegal e apenas 2% foram penalizados.

Meta

O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse que não dá mais para usar o argumento de que o Brasil conseguiu preservar mais as suas florestas que outros países. “O fato de que nós desmatarmos menos até aqui deve ser reconhecido e saudado, mas não nos dá autorização de desmatar mais e de emitir mais gases de efeito estufa daqui por diante. Portanto, esse é um discurso equivocado que o Brasil tem carregado mundo afora”, argumentou.

Ramos é um dos autores do projeto que regula o mercado de carbono no país (PL 528/21). A ideia é que países poluidores possam comprar créditos de carbono dos países que têm florestas preservadas, por exemplo – cada país tem metas de redução de emissão de gases de efeito estufa firmadas no Acordo de Paris em 2015.

No início do mês, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou que vai apresentar, na COP-26, a meta de zerar o desmatamento ilegal no país antes de 2030 – compromisso assumido pelo presidente Jair Bolsonaro na Cúpula de Líderes sobre o Clima, em abril. Porém, ainda não há informação de como o objetivo será alcançado.

Fonte: Agência Câmara de Notícias

Seis mil de 170 etnias na maior manifestação dos povos indígenas do Brasil

A decisão sobre o “Marco Temporal” coloca o Supremo Tribunal Federal (STF) diante de uma das questões fundamentais da nacionalidade brasileira: a dos direitos dos povos originários.

A Constituição de 1988, reconheceu que eles tinham direito às terras ocupadas por ancestrais, mas foi colocada uma  barreira temporal: só poderiam ser reivindicadas as terras ocupadas ou identificadas até 1988.

Um processo localizado, em Santa Catarina, está em julgamento, mas seu resultado afetará toda a jurisprudência sobre o tema.

A votação no STF, iniciada na semana  passada, atraiu a maior concentração de povos indígenas  da história do Brasil: mais de seis mil representantes de 170 etnias acampados em Brasilia.

Nesta quarta-feira, 01,  iniciou hoje  a fase de sustentações orais do julgamento, Entidades se manifestaram contra e a favor a tese.

Após as argumentações, a sessão foi suspensa e será retomada amanhã (2).

O STF julga uma disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e a posse de parte é questionada pela procuradoria do Estado.

Durante o julgamento, estará em questão o chamado marco temporal. Pela tese, os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial nesta época.

Manifestações

O procurador de Santa Catarina, Alisson de Bom de Souza, defendeu a reintegração de posse pelo Instituto do Meio Ambiente do estado e afirmou que houve invasão de indígenas na área.

Souza também defendeu o marco temporal como forma de segurança jurídica. Segundo ele, o reconhecimento da posse só pode ocorrer após decisão final sobre o reconhecimento da terra indígena pelo presidente da República, a quem cabe a decisão final sobre a homologação.

“Um proprietário de terra não pode ser expulso de sua propriedade sem que haja a formação completa do reconhecimento de que aquele espaço é uma terra indígena tradicional”, argumentou.

Rafael Modesto dos Santos, advogado da comunidade Xokleng, disse que o marco temporal não tem cabimento jurídico e ignora o passado de violência contra os povos indígenas, como casos de expulsões, mesmo após a titulação de terras tradicionais.

“Não cabe nenhum marco temporal, porque ele legalizaria todos ilícitos, de crimes ocorridos até 1988″, afirmou.

Na avaliação de Paloma Gomes, representante do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a defesa da tese do marco é uma forma de tentar burlar a Constituição.

“Os direitos indígenas continuam como cláusulas pétreas, sendo imprescritíveis, inalienáveis e imutáveis. Em 88, foi fixado como dever do Estado a demarcação e a proteção dos territórios indígenas, entretanto, o que vamos hoje é uma resistência na implementação desses direitos”, disse.

O advogado-geral da União, Bruno Bianco, defendeu a preservação da segurança jurídica nos processos demarcatórios e a manutenção de balizas que foram estabelecidas pela Corte no julgamento demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009.

“A proteção das terras tradicionais ocupadas representa um aspecto fundamental das garantias constitucionais asseguradas aos indígenas. O Artigo 231 da Constituição Federal reconhece aos índios os direitos originários sobre as terras tradicionais, cabendo a União demarcá-las administrativamente. No julgamento do caso Raposa Serra do Sol, este STF estabeleceu balizas e salvaguardas na promoção de todos os direitos indígenas, e, para garantir a regularidade da demarcação de suas terras, como regra geral, foram observados o marco temporal e o marco da tradicionalidade”, afirmou.

O processo tem a chamada repercussão geral. Isso significa que a decisão que for tomada servirá de baliza para outros casos semelhantes que forem decididos em todo o Judiciário.

Na sessão de amanhã (2), estão previstas mais sustentações, entre elas, a da Procuradoria-Geral da República (PGR), e o início da leitura do voto do relator, ministro Edson Fachin.

(Com a Agência Brasil)

 

 

Audiência virtual debaterá empreendimento imobiliário na Fazenda do Arado

Está marcada para 12 de agosto a audiência pública virtual que irá debater o projeto imobiliário na área da Fazenda do Arado. Em junho deste ano a atual Gestão apresentou a proposta Urbanística do Arado.

A audiência, para debater o projeto será realizada na plataforma Zoom e possibilitará o direito de manifestação aos interessados, mediante inscrição.

Além disso Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) também irá disponibilizar estrutura para acompanhamento e participação na audiência na sede do Centro dos Funcionários da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (Cefal), na avenida Des. Mello Guimarães, 134, bairro Belém Novo.

Os interessados deverão registrar sua intenção de presença pelo e-mail smams@portoalegre.rs.gov.br. Em razão das medidas de distanciamento social decorrentes da pandemia da Covid 19, a lotação máxima será de 80 pessoas. As vagas serão preenchidas por ordem de recebimento dos e-mails.

Processo se arrasta na Justiça há anos

Não é de hoje o interesse em transformar os 426 hectares de área da Fazenda do Arado Velho, localizado no Bairro Belém Velho, extremo Sul de Porto Alegre. O terreno foi comprado pela Arado Empreendimentos, do grupo Ioschpe, em 2010.

Em 2015 a Câmara de Vereadores aprovou a Lei Complementar 780/2015, que alterou o Plano Diretor, retirando a área da Zona Rural e permitindo a construção do empreendimento. A ideia é construir um condomínio com 1.650 unidades.

Em abril de 2017, uma liminar atendeu a ação movida pelo Ministério Público para suspender a eficácia da LC 780/2015.

O MP alega que a lei foi aprovada sem audiência pública, conforme determina o art. 177 da Constituição Federal. Não houve também, segundo o MP, a devida avaliação dos danos ambientais que podem ser causados pelo empreendimento.

Em agosto do mesmo ano a lei foi suspensa pela  4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Em 2018, a área foi ocupada por indígenas que reivindicam direito histórico sobre o local.

Em 2020 a Câmara aprovou novamente uma proposta que altera limites previstos no Plano Diretor e permite construções na área: projeto de Lei Complementar nº 16/20.

 

 

Governo vai liberar 55 áreas para atrair US$ 40 bilhões em investimentos na mineração

Os investimentos em mineração no Brasil devem se elevar a US$ 40 bilhões em quatro anos, segundo o secretário de Geologia e Mineração do Ministério de Minas e Energia, Alexandre Vidigal.

Em entrevista à TV Brasil neste domingo 20, Vidigal disse que os investimentos no setor cresceram e vão continuar crescendo porque o governo estabeleceu “regras muito claras, com segurança jurídica  e transparência”.

Mais de 90 projetos integram uma “agenda da mineração” com planos e metas para os próximos anos. “Isso transmite confiança e segurança [para o investidor].”

Para chegar aos R$ 40 bilhões de investimentos, o  secretário mencionou a abertura de 55 áreas passíveis de mineração que começarão a ser destinadas ao mercado, sob o marco da mineração em áreas indígenas e sobre o uso do nióbio.

A exportação de minérios é a principal fonte de receitas externas do país.

No ano passado o Brasil teve um superávit na balança comercial de US$ 51 bi, de acordo com dados do Ministério da Economia.

Neste mesmo período, o setor (de mineração) registrou um saldo positivo de US$ 32 bi.

Só no primeiro trimestre deste ano, enquanto a balança comercial brasileira contabilizou superávit de US$ 7,9 bi, a da mineração chegou a US$ 10,6  bi.

O grande desafio brasileiro nesse setor é mudar o perfil do que exporta. Deixar de ser mero fornecedor de matéria prima em estado bruto  e desenvolver uma indústria mineral, para fazer internamente a transformação da matéria prima e entregar o produto final com muito mais valor agregado.

Três fatores explicam o acelerado crescimento do setor mesmo em meio à pandemia de covid-19: o crescimento da China, a alta dos preços no mercado internacional,  e a desvalorização do real.

As exportações de minérios, em dólar, aumentaram 102%. A moeda norte-americana era cotada em março deste ano a R$ 5,65. No terceiro mês de 2020, valia R$ 4,88.

Ao mesmo tempo, o preço médio da tonelada de minério de ferro teve variação de 87,6% na comparação do primeiro trimestre deste ano e do ano passado.

O Brasil é, depois da Austrália, o maior produtor mundial dessa commodity (produto primário com cotação em mercados internacionais).

O minério de ferro responde por 70% do faturamento total do setor mineral brasileiro. Em seguida, aparecem o ouro, que respondeu por 11%, o cobre, por 5%, e a bauxita, por 2%.

No recorte por estados, Pará e Minas Gerais, que concentram a maior fatia da produção do país, registraram os melhores resultados.

Em Minas, o faturamento, de R$ 28 bilhões, representa alta de 118% e, no Pará, que alcançou R$ 31 bilhões, aumentou 94%, Os estados da Bahia, com R$ 2 bilhões, e de Mato Grosso, com R$ 1,4 bilhão, embora com produções mais modestas, também tiveram crescimento acima de 90%.