Manuel Domingos traz meio século de reflexão sobre os militares

Manuel Domingos Neto, autor do livro “O que fazer com o militar”, participa hoje de debate no auditório da Faculdade de Economia da UFRGS, às 19hs, junto com Tatiana Vargas Maia, professora de Relações Internacionais, e de Eduardo Munhoz Svartman, professor de Ciência Política e Estudos Estratégicos, ambos da UFRGS. O mote do debate é Defesa Nacional e Amizade com os Vizinhos.

Manuel Domingos Neto é doutor em História pela Universidade de Paris. Há mais de cinquenta anos se dedica à temática militar. Foi professor da Universidade Federal do Ceará, da Universidade Federal Fluminense e presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa-ABED.

O livro, destinado aos leitores não familiarizados com a temática, aborda aspectos de alta complexidade em texto de fácil leitura. Será lançado em Porto Alegre no dia 9/10, a partir das 19h, quando o autor conversará sobre o tema com José Genoíno, que foi deputado constituinte e assessor de ministros da Defesa. Será  no auditório do Sindicato dos Bancários.

Segundo o autor, o Estado precisa definir o papel das corporações militares, hoje envolvidas em múltiplas tarefas, em prejuízo do preparo para enfrentar agressores estrangeiros. Sem uma reforma militar, seriam vãos novos investimentos em Defesa.
Domingos considera o militar limitado para formular e conduzir a Defesa do Brasil. Sustenta que, prevalecendo o ponto de vista castrense neste domínio, a democracia estará sob risco e o país persistirá exposto à ganância estrangeira. Não será voz altiva no cenário internacional e comprometerá o desenvolvimento socioeconômico.
Apenas o poder político detém legitimidade para definir e conduzir a Defesa, afirma Manuel Domingos. Assinala, entretanto, a necessidade de superar o despreparo técnico do aparato estatal e a indisposição para quebrar a rotina histórica consagradora do mando militar.
Dentre as numerosas proposições que enumera, destacam-se a eliminação do conceito de “inimigo interno”, a interrupção da dependência em armas e equipamentos de potências imperialistas, a redução de tropas e sua redistribuição espacial em favor de maior capacidade dissuasória, a revisão do serviço militar, a prioridade da força aeronaval em relação à força terrestre, a reforma da carreira militar, o estreitamento da cooperação em Defesa com os países sul-americanos e a interrupção da ingerência militar no sistema de Segurança Pública.
Depois deste livro, as críticas ao ativismo político do militar não ficarão mais restritas à sua participação no governo e à defasagem dos currículos das academias militares.
O autor refuta a ideia de que a pura e simples modernização das corporações evitaria o ativismo político, e aponta a classificação dos oficiais como “golpistas” e “legalistas” como simplificação enganosa.
“O que fazer com o militar” demonstra que os desafios da Defesa Nacional e mudanças nas corporações transcendem à capacidade dos governantes: passa pela disposição da sociedade e do Estado de livrar-se da subalternidade ao estrangeiro poderoso.

O livro poderá ser adquirido durante os eventos ou diretamente na editora::  http://gabinetedeleitura.com

Três pacientes travam o fechamento do último hospital colônia do Brasil: “Nós não caminhamos sós”

Textos: Elmar Bones e Cleber Dioni tentardini
Fotos: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

O fechamento do Hospital Colônia de Itapuã que o governo do Estado vem preparando há dois anos foi suspenso pela Justiça na quarta-feira, 27/09, para garantir o direito dos três últimos ex-hansenianos permanecerem no lugar para onde foram levados compulsoriamente e onde vivem há mais de 50 anos.

Em 2021, quando foi iniciada a retirada gradativa dos últimos pacientes para o fechamento definitivo do hospital, restavam 17 ex-hansenianos.

Na última quarta-feira, a  decisão da Justiça de suspender a transferência deles para clínicas particulares, encontrou apenas os últimos três.

Outros 14 já estão em “residências terapêuticas”, casas adaptadas que também acolhem os pacientes com doenças mentais no HCI.

Essas casas são mantidas pela Prefeitura Municipal de Viamão, em convênio com o governo do  Estado.

A decisão de suspender qualquer tentativa de transferir os últimos pacientes atendeu pedido do Ministério Público Estadual, que vai também investigar as condições em que outros pacientes já foram removidos.  Eles poderão retornar, se quiserem.

Outra questão que o MP quer esclarecer é o destino da área que pertence ao hospital – 128 hectares encravados numa área de preservação permanente, junto ao Parque de Itapuã.

“Nós não caminhamos sós”

A lepra ainda assombrava a humanidade em 1940, quando o governo brasileiro começou a inaugurar uma rede de hospitais-colônias para confinar os portadores do mal incurável e que, se acreditava, podia contagiar até pelo ar.

Eles ainda eram chamados de “leprosos” e apedrejados nas ruas quando vistos fora dos locais onde viviam isolados para não transmitir a terrível maldição (“um castigo de Deus”) e poupar as comunidades do feio espetáculo daqueles corpos mutilados, cobertos por trapos.

A bíblica lepra hoje chama-se hanseníase, é uma enfermidade  curável, e os portadores são chamados hansenianos, em referência a Hansen, o  descobridor do bacilo que causa a doença e que abriu o caminho para a sua desmistificação.

O médico norueguês Gerhard Armauer Hansen identificou o bacilo causador de lepra em 1873, mas a cura só seria conhecida em 1941, quando ele morreu aos 70 anos. Foto: Universidade de Bergen.

Identificada a causa, logo descobriu-se que o contágio se dava pela saliva e outras secreções, mas não na intensidade e com o alcance imaginado. O isolamento como única forma de tratamento foi perdendo o sentido.

Em consequência, os 46 hospitais-colônias criados no Brasil para confinar os leprosos surgiram na contramão da história da doença. 

O Hospital Colônia de Itapuã foi o último. Começou a ser construído em 1937 e foi inaugurado em 11 de maio de 1940.

No ano seguinte, foi anunciada a cura da lepra e, em 1985, foi extinta a política de confinamento compulsório dos hansenianos.

Com diagnóstico precoce, a doença era curável e podia ser tratada em casa, mediante alguns cuidados. 

Nesse período,  2.474 pacientes foram internados à força no Hospital de Itapuã. De lá não sairiam, nem mortos.

Sete freiras da Ordem das Irmãs Franciscanas da Caridade e Piedade Cristã receberam os primeiros pacientes.

Mesmo com o risco de contrair a doença, outras cem irmãs franciscanas passariam por lá como voluntárias para o serviço no hospital.

As religiosas eram responsáveis pelo serviço de enfermaria, farmácia, padaria, cozinha, lavanderia, fábrica de sabão e outros serviços.

Também faziam a limpeza da igreja, onde se realizavam missas, casamentos e enterros, oficiados pelo frei Pacífico, outra figura lendária na história do HCI.

As irmãs franciscanas. Fotos: Arquivo Memorial HCI
As irmãs franciscanas
Frei Pacífico

 

 

 

 

Na década de 1950, quando o estigma da lepra ainda aterrorizava e os leprosos eram escorraçados, o HCI chegou a ter mais 600 pacientes (e outro tanto de funcionários). Era uma pequena cidade, quase autossuficiente, com 42 prédios de uso comum, três igrejas, uma escola, 44 casas de moradia, metade delas ocupadas por funcionários que trabalhavam diretamente na “área suja”, em contato direto com os pacientes. Eles também viviam confinados lá.

Nos 15 hectares delimitados para o hospital criava-se gado (chegou a ter 250 cabeças), funcionava um tambo de leite, um abatedouro, hortas, uma padaria e até um cassino, para jogos, bailes e atrações culturais.

Ruínas do tambo de leite
Calçados apropriados para os hansenianos

Os próprios pacientes fabricavam roupas, calçados e até próteses artesanais, de pé, mão, braço, as partes que a lepra primeiro destrói. Para os negócios internos havia até uma moeda.

Desse tempo, o que está mais preservado é o cemitério, que guarda os restos de todos os que um dia transpuseram aquele pórtico com a frase enigmática: “Nós não caminhamos sós”. Inclusive religiosos como o Frei Pacífico de Bellevaux – batizado Luis Narciso Place -, religioso francês que chegou ao Rio Grande do Sul em 1899. Foi co-fundador das Irmãs Franciscanas de Nossa Senhora Aparecida e um dos idealizadores do hospital-colônia, onde foi capelão aos 67 anos. O “Anjo da Caridade”, título que recebeu de Dom Vicente Scherer, então Arcebispo de Porto Alegre,  por sua dedicação e proximidade com os doentes, faleceu em Porto Alegre, aos 84 anos. 

Capela do cemitério.

Últimos pacientes passam maior parte do tempo na enfermaria

Em 2021, quando foi iniciada a retirada gradativa dos últimos pacientes para o fechamento definitivo do hospital, restavam 17 ex-hansenianos.

Na quinta-feira, 28 de setembro de 2023, a decisão da Justiça de suspender a transferência deles para clínicas particulares, encontrou apenas três: O casal Osvaldo Gomes e Eva Venâncio Pereira, e Valdeci Barreto, viúva. Eles têm casa lá, mas como necessitam de cuidados constantes, estão recolhidos à enfermaria.

Seis familiares de pacientes que já morreram também moram lá. É o caso de Jacó, hoje com 70 anos, que nasceu lá dentro e foi retirado da mãe assim que nasceu (as mães leprosas não podiam nem tocar nos recém-nascidos) e levado para uma Casa de Amparo.

Loirinho, de olho claro, aos 10 anos ele foi adotado por uma família de São Leopoldo, mas quando souberam que era filho de uma ex-leprosa, trataram de devolvê-lo e, então, ele foi morar no asilo.

Ele conta que as crianças recolhidas à Casa de Amparo eram levadas uma vez por mês para ver e serem vistas pelas mães.

O ônibus encostava na entrada do hospital, onde as mães se postavam  para ver os filhos através dos vidros do ônibus. Eles não podiam nem descer.

Para atender aos últimos pacientes,  são quatro enfermeiros, 12 técnicos de enfermagem e seis cuidadores que se revezam. Os serviços de segurança, limpeza e manutenção são feitos por empresas terceirizadas. O custo mensal de toda a estrutura para o governo do Estado é de R$ 750 mil mensais.

Se conheceram no final dos anos 1970
E vivem juntos há mais de 20 anos
Seu Osvaldo e dona Eva

Estão curados há muitos anos, mas as sequelas da doença são visíveis: mãos em garra, nariz ‘desabado’, retração óssea, pouca sensibilidade nas mãos e pés, além das dificuldades para falar e ouvir. Mas o carinho entre eles salta aos olhos.

Na cama do casal, uma boneca que dona Eva cuida como se fosse a filha, que sempre quis ter. No armário, a “pilcha” que seu Osvaldo usava para ir aos bailes em Itapuã “quando era mais moço”. Iam de carroça, ele e dona Eva, sua prenda. Hoje o único vício é o fumo, para decepção da enfermeira Salete,  que se esforça para fazê-los largar o cigarro.

Perda do vínculo é o que preocupa

A enfermeira Salete diz que os ex-hansenianos que saíram do hospital estão bem porque ainda mantêm o vínculo com os servidores do hospital.

Apenas uma paciente vive sozinha, totalmente independente, os demais vivem com parentes, mas todos são assistidos pelo Estado, com transporte e acompanhamento a consultas e procedimentos médicos, remédios e alimentos.

Além de uma pensão no valor de cerca de um salário mínimo e meio como forma de indenização pela internação compulsória.

“Nós temos competência, vontade e experiência, gostaríamos de ficar no hospital porque existe a possibilidade de a gente servir os pacientes aqui dentro e os que estão morando em Viamão. Caso sejamos todos removidos e o hospital fechado, os pacientes perderiam esse vínculo que mantêm há mais de 50 anos, o que é preocupante”, afirma.

Salete diz que eles precisam não só do amparo financeiro mas também manter o vínculo com o hospital

Salete diz que eles precisam não só do amparo financeiro mas também manter o vínculo com o hospital, principalmente agora por conta das comorbidades próprias da idade avançada como problemas cardíacos, vasculares.

“Este é o compromisso que o Estado está outorgando para outras mãos”, lamenta Salete.

Funcionários também vivem na incerteza

Para atender aos últimos pacientes do HCI  são quatro enfermeiros, 12 técnicos de enfermagem e seis cuidadores que se revezam.

Os serviços de segurança, limpeza e manutenção são feitos por empresas terceirizadas. O custo mensal de toda a estrutura para o governo do Estado é de R$ 750 mil mensais.

Isabel de Souza Ropertti, 53 anos, servidora do HCI há nove anos, é responsável pelo Memorial, um casarão de dois pisos que guarda arquivos, mobiliárias, fotografias e outras lembranças do hospital, inclusive o fichário de todos os pacientes que por lá passaram.

Uma história de quase um século em que lances macabros e aterrorizantes se misturam com exemplos comoventes de superação e solidariedade.

Ela teme que toda essa memória se perca com o fechamento do hospital.

Isabel defronte o Memorial, antiga residências das freiras

Isabel está lá há nove anos. Trabalhava no Ambulatório de Dermatologia Sanitária, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, e residia com marido e filhos na Capital, mas decidiram mudar-se para Viamão a fim de ficar mais perto da sogra, que mora em Itapuã e tem idade avançada.

“Então pedi transferência para o hospital e mudei para uma das residências Se for transferida novamente para Porto Alegre, será bem complicado porque vamos permanecer morando no extremo sul de Viamão. Mas, se for o caso, prefiro voltar para o ambulatório, afirma.

Elizeu em frente sua casa

Elizeu Pereira, 58 anos, trabalha no HCI há 28 anos, mas frequenta o local desde criança pois seus pais trabalhavam no hospital. Ele mora com um filho adolescente e também não gostaria de sair, mas sabe que não depende de sua vontade. “É uma vida aqui, não tenho nem pra onde ir”.

Além do Ambulatório de Dermatologia Sanitária, o Estado mantém outras três instituições para onde os servidores podem ser realocados: o Sanatório Partenon, o Hospital Psiquiátrico São Pedro e o Hemocentro.

Outra alternativa seria o Estado ceder os servidores do Hospital Colônia de Itapuã para o município de Viamão. “Contanto que não perdêssemos nenhum direito trabalhista, seria uma boa ideia, mas isso é uma questão que compete aos gestores”, diz a enfermeira Salete Wanke.

Um atrativo para a concessão do Parque Estadual de Itapuã

Último dos hospitais-colônias do país, há dois anos, o HCI passa por programa de “desinstitucionalização”,  para retirada dos últimos pacientes – um processo em que tragédias pessoais e familiares se misturam com interesses econômicos e políticos, e cujo desfecho é incerto.

O esvaziamento do HCI foi lento no início, na medida que se iam desfazendo os preconceitos contra os “leprosos” e os tratamentos, cada vez mais eficazes, foram tornando anacrônico o isolamento.

Ao longo desse tempo, vários projetos foram anunciados para dar uma nova destinação ao HCI, mas sempre esbarraram na condição dos pacientes internados à força, aos quais o Estado deve tutela enquanto viverem.

Tudo indica que, por conta dessa condição, os sucessivos governos  entregaram ao tempo a solução do problema.

O estado em que se encontram as casas e a maioria das edificações revela que estão abandonadas há pelo menos 30 anos. Destelhadas, muros caídos, janelas e portas quebradas – são sólidas construções em ruínas.

Imóveis precisam ser restaurados
Igreja luterana projetada pelo arquiteto Theo Wiedersphan e construída em 1946, está caindo aos pedaços, apesar de tombada pelo Patrimônio Histórico

Desde o início, além da remoção dos pacientes, colocou-se a questão para o governo do Estado, proprietário do terreno e das benfeitorias: o que fazer com aquela área valiosa  e aquele patrimônio construído.

A Secretaria da Saúde tem informado que “o foco do governo, por enquanto, é na destinação dos pacientes” e que a questão do terreno e das instalações será tratada depois de resolvida essa parte.

Na verdade, a pressa em retirar os últimos pacientes do HCI está ligada a razões materiais bem visíveis.

O hospital ocupa menos de dez por cento de uma área de 128 hectares, uma porção de mata atlântica ao pé do morro de Itapuã, junto ao parque e à Lagoa Negra.

Hospital está encravado numa área de preservação ambiental, cercado pelas matas do Parque Estadual de Itapuã, de aldeias indígenas, da Lagoa Negra e Lagoa dos Patos

O ex-prefeito de Viamão, hoje deputado Valdir Bonatto (PSDB) disse ao JÁ que tratativas já avançadas entre o município e o governo do Estado visam um convênio para incorporar toda a área do hospital ao parque de Itapuã, para efeitos de sua futura concessão à iniciativa privada.

Isoladamente, segundo ele, o parque municipal não apresenta atrativos para investidores, porque a preservação e manutenção da área de mais de 1.200 hectares ( Área de Preservação Permanente) tem custo alto e as perspectivas de receitas são muito pequenas.

O terreno do hospital, como já é uma área alterada e ocupada por construções, poderia ser recuperada abrigar serviços, comércio, equipamentos de lazer e até um resort.

Antigas residências dos pacientes moradores
O antigo cassino onde eram realizadas atividades de lazer.

Primeiro sinal de que havia um plano

O primeiro sinal de que o governo tinha um plano para a desativação do HCI foi uma audiência virtual (era tempo de coronavírus) na Assembleia Legislativa, em 27 de outubro de 2021.

O deputado Thiago Duarte (DEM) pediu a audiência para “conhecer as intenções da administração pública diante dos rumores de que o local seria fechado e da falta de informações claras sobre o destino de moradores, pacientes e servidores”.

O representante da Associação de Moradores de Itapuã, Jorge Paixão, disse que “no bairro corria a informação de que o hospital seria fechado para a abertura de um resort na área”.

Explicou que os moradores não eram contra o empreendimento e o desenvolvimento econômico da região, mas o hospital poderia ser mantido, uma vez que ocupava 15 hectares apenas de todo o terreno e não havia outros estabelecimentos de saúde nas proximidades para atender à população.

A coordenadora do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), Magda Chagas, disse que o não fechamento do hospital era uma luta da própria comunidade e que o Morhan a apoiava.

O então vereador Fabrício Ollermann (MDB), de Viamão (depois cassado), contou que a Câmara Municipal havia aprovado projeto do Executivo que resultou na Lei nº 5.094, que autorizava o município a celebrar convênio com o Estado para proceder à “desinstitucionalização” de pacientes da saúde mental e ex-hansenianos moradores do hospital.

Disse que, como vereador, apresentou propostas para manter os atendimentos à saúde e considerava o lugar ideal para abrigar um Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Sugeriu que se convocasse um plebiscito para saber o que a comunidade desejava para o local.

A secretária de Saúde adjunta, Ana Costa, fez questão de esclarecer que eram duas questões distintas: o projeto de “desinstitucionalização” (retirada) dos pacientes, que a Secretaria vinha tratando, e a destinação da área física do hospital, da qual ela não tinha condições de falar.

Naquele momento, segundo a secretária, havia no local 38 pacientes psiquiátricos, e 17 hansenianos, além dos funcionários que moravam nas casas do HC.

Pepe Vargas (PT) disse que como médico e gestor público, havia sempre se aliado à luta pela reforma psiquiátrica e que era, portanto, favorável à desinstitucionalização dos pacientes, mas que concordava com a ideia de as moradias se manterem no próprio local.

Ex-hanseniana e moradora do local há mais de 60 anos, dona Eva fez um relato dramático: “Fui para lá com 12 anos”, disse, corrigindo-se em seguida: “Não fui, me levaram, me atiraram lá dentro”, contou.

Aos 76 anos, disse não aguentar o descaso da administração, a convivência forçada na enfermaria com pacientes psiquiátricos, que não era o caso dela, e agora a ameaça de um “pontapé na bunda”.

O desabafo levou a secretária-adjunta a se comprometer a ir ao local e conversar pessoalmente com ela.

Na audiência na AL, falou também a promotora de Justiça, Giselle Moretto, que apontou a inadequação do termo “desinstitucionalização” usado para se referir tanto aos pacientes psiquiátricos como aos ex-hansenianos do HCI. Questionou se os moradores haviam sido ouvidos e chamou a atenção para “não se repetir o passado”.

A promotora lembrou que, em 2018, haviam movido uma ação para assegurar a duas moradoras idosas o direito de terem seus familiares morando com elas no local. Foi negado, numa primeira decisão, mas acabou sendo reconhecido.

A promotora lamentou a ausência de um representante do governo de Viamão, município que pretendia assumir a tutela dos últimos moradores, que impediam o fechamento do HCI.

“Desistiram de nós”

O desdobramento do assunto chegou a público três meses depois em uma nota da Secretaria da Saúde, divulgada no dia 6 de janeiro de 2022:

O então prefeito Bonatto com a secretária Arita. Foto: Divulgação

“Uma reunião entre a secretária da Saúde, Arita Bergmann, e o então prefeito de Viamão, Valdir Bonatto, deu início nesta quinta-feira (6) ao processo de desinstitucionalização dos 55 pacientes e ex-pacientes do Hospital Colônia Itapuã”.

“Atualmente, vivem no local 38 pacientes de saúde mental, oito pacientes ex-hansenianos que tratam outras doenças e nove ex-pacientes de hanseníase. Os pacientes serão transferidos para quatro residências terapêuticas, cada uma com capacidade para abrigar dez pessoas. Já  os ex-pacientes, que moram sozinhos em casas dentro da colônia, irão para moradias individuais semelhantes àquelas onde vivem hoje”.

“Para concretizar a mudança, o Governo do Estado,  através da Secretaria da Saúde, repassará quatro parcelas de R$ 3,173 milhões à prefeitura, que vai assumir os cuidados aos pacientes e moradores. A previsão é de que a primeira residência terapêutica fique pronta ainda no primeiro semestre.

No jargão dos pacientes e funcionários do HCI,  o termo “desinstitucionalização” foi traduzido para “desistiram-de-nós”.

Eram, portanto, 17 hansenianos e 38 psiquiátricos)  em junho de 2022, quando se iniciaram as transferências com vistas ao fechamento do hospital.

Os primeiros nove pacientes foram transferidos  em outubro de  2022, para o primeira “residência terapêutica”, em Viamão.

Menos de um ano depois, neste final de setembro de 2023, restam apenas três ex-hansenianos e seis familiares deles, nove pessoas no total.

A estimativa do programa era retirar o último paciente do HCI até dezembro de 2023. Meta que pode estar comprometida pela decisão da Justiça de suspender as remoções, anunciada neste final de setembro.

O governo gaúcho explica que a transferência de pacientes de saúde mental é motivada pela necessidade de cumprir a Lei Federal da Reforma Psiquiátrica, de 2001. A legislação diz que manter pacientes psiquiátricos internados por toda a vida é uma violação de direitos humanos e que essas pessoas devem ser reintegradas à vida comunitária. A saída seria alocá-los em “residenciais terapêuticos” ou voltarem para a família ou mesmo viverem sozinhos em moradias pagas pelo Estado.

O problema é que o programa de “desinstitucionalização” do governo do Estado aproveitou a oportunidade e incluiu no mesmo pacote a remoção os ex-hansenianos remanescentes.

Desde o início o Ministério Público questionou essa solução que ignora o direito especial dos ex-hansenianos.

Os pacientes psiquiátricos (doentes mentais) não têm condições de decidir para onde vão, são considerados incapazes. Já os ex-hansenianos foram levados à força para o isolamento no HCI , alguns ainda criança.  Pela Constituição, o Estado é responsável por eles enquanto viverem e só podem ser tirados do lugar onde construíram suas vidas, suas famílias inclusive,  por livre e espontânea vontade.

Por isso, o MP pediu à Justiça a suspensão das remoções para garantir o direito dos três últimos pacientes que não querem sair.

O promotor Leonardo Menin, do Ministério Público Estadual, que acompanha o processo de “desinstitucionalização” do HCI, explica: “Estado e município deixaram claro para nós que, mostrando às pessoas como seria a vida delas fora dali, elas aceitariam. Nós fomos lá e sabemos que as pessoas não querem sair, mas o Estado acredita que, mostrando para eles como a vida pode ser do lado de fora, eles acabarão aderindo. Nossa atuação é para que não haja compulsoriedade”.

Quase cinco mil ex-leprosos recebem pensão vitalícia

Em 2007, o Estado brasileiro se tornou o segundo país, ao lado do Japão, a aprovar lei que estipulou pagamento de pensão vitalícia aos hansenianos segregados da sociedade – filhos não têm direito ao benefício.

Hoje, 4.725 brasileiros recebem R$ 1.831 por mês, informa o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – em 2018, eram mais de 9 mil pessoas.

Eva, retirada da escola, aos 12 anos: “Para onde vocês estão me levando?”

A jornalista Ana Carolina Pinheiro acompanhou durante dois anos a rotina do hospital e seus moradores e, após exaustiva pesquisa, apresentou em junho de 2019 seu trabalho de conclusão do curso em Jornalismo, na UniRitter. Este ano, Ana atualizou as informações e transformou o trabalho acadêmico em um livro-reportagem, a ser lançado pela Editora Sulina em novembro, durante a Feira do Livro de Porto Alegre.

Ana e dona Eva durante audiência pública na Câmara Municipal de Viamão, em 2021, pelo não fechamento do HCI_
Foto Artur Custodio

 

 

 

 

 

Aqui, um trecho baseado no depoimento de dona Eva Pereira Nunes, que morou mais de 60 anos no hospital colônia: “(…) No mesmo dia, uma caminhonete preta estacionou no pátio do internato. Dela desceu um casal de enfermeiros, que embarcou Eva no veículo. A menina ia sozinha no banco de trás. Uma grade impedia o contato entre ela e os enfermeiros. Na estrada, sem saber o seu destino, a menina gritava:– Vovó, vão me matar, vovó! Vão me matar! A caminhonete percorreu os cerca de 80 quilômetros que separam Santo Antônio da Patrulha de Porto Alegre e desembarcou Eva na Santa Casa de Misericórdia. As enfermeiras que a recepcionaram orientaram que se despisse e aguardasse sozinha no consultório. O grupo de médicos entra na sala. Imediatamente, começa a examinar as marcas existentes no corpo da paciente. Constatam que a perna direita era, a olho nu, mais fina que a outra, como se a carne tivesse secado e não houvesse mais nada entre a pele e o osso. Isso fazia com que Eva tivesse dificuldade para manter o calçado preso ao pé. A menina apresentava ainda lesões que subiam por suas pernas até suas nádegas e começavam a tomar conta também de seu rosto e de suas mãos. Colheram também amostras que foram enviadas para análise histopatológica, embora o resultado não fosse necessário para a confirmação do diagnóstico. Como a menina apresentava múltiplas lesões em várias partes do corpo, os médicos foram unânimes: lepra lepromatosa. O grupo finalizou o exame e saiu sem trocar nenhuma palavra com ela. Pelas enfermeiras, a menina foi orientada a se vestir e encaminhada para um dormitório. Ao contrário do colégio, onde Eva dividia o quarto com diversas meninas, foi obrigada a passar a noite sozinha. Ali começava a sua rotina de isolamento. Aguardou até umas 15 horas, quando foi avisada que um novo carro chegara para buscá-la. A menina nutria esperanças que o destino fosse a sua escola. Ela ainda não sabia, mas nunca mais retornaria ao internato. Novamente, um casal de enfermeiros a aguardava. A moça carregava um amontoado de papéis na mão. Os dois a embarcaram em um carro preto, descrito por ela como um carro fúnebre. Eram quase 16 horas quando partiram. Foi então que a menina percebeu que o caminho que percorriam não era o que a levaria de volta para casa. – Para onde vocês estão me levando? – Não te preocupa que tu vai para um lugar bom – respondeu a enfermeira. – Eu acho que eles vão me matar. Vão me matar (…)”.

Pacientes podem ficar no Hospital Colônia de Itapuã, decide Justiça

Atendendo pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul, por meio de ação civil pública, a Justiça determinou que o Estado e o Município de Viamão se abstenham de promover a realocação dos moradores remanescentes da política sanitária de higienização social da década de 1940 para combate à hanseníase, vinculados ao Hospital Colônia de Itapuã, assegurando o imediato retorno daqueles que já foram realocados.

A decisão também determina que seja interrompida a abordagem para fins de transferência/realocação dos moradores remanescentes, bem como seja delimitada a área de permanência destes moradores, garantindo sua manutenção no estabelecimento e também para os que retornarem. Ainda, seja ofertado todos os serviços necessários para sua integral assistência e proteção (cuidados de saúde, higiene, alimentação, lazer, condições de remoção imediata, em caso de necessidade de atendimento médico, entre outros, também garantindo os recursos necessários à sua segurança).

A ação foi ajuizada pela promotora de Justiça Gisele Moretto, da Promotoria de Justiça Cível de Viamão, para evitar a realocação compulsória dos pacientes-moradores do Hospital Colônia de Itapuã.

“Muitos dos moradores são pessoas idosas, com mais de 70 anos de idade, que, após a abolição da prática do isolamento social, escolheram permanecer no estabelecimento que passaram a considerar como lar, onde formaram vínculos afetivos indissolúveis. A realocação representa afronta à dignidade da pessoa humana”, explica a promotora.

(Assessoria de Comunicação do MPRS)

STF derruba Marco Temporal: vitória dos povos indígenas tem repercussão internacional

Entidades representativas dos povos indígenas e organismos internacionais comemoram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) pela inconstitucionalidade da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas.

Nas redes sociais, o assunto ficou entre os mais comentados na tarde desta quinta-feira (21). Em Brasília, lideranças indígenas e representantes de diversos povos acompanharam a votação.  

De acordo com a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, prevaleceram, na decisão, os direitos constitucionais dos povos originários.

“Hoje o dia é de comemorar a vitória dos povos indígenas contra o marco temporal. Nós temos muitos desafios pela frente, como outros pontos que foram incluídos, mas é uma luta a cada dia. Uma vitória a cada dia. Nós acreditamos na Justiça, na Justiça do Supremo Tribunal Federal para dar essa segurança jurídica aos direitos constitucionais dos povos indígenas, cumprir o seu dever pela constitucionalidade e dar esperança a esse povo que tem sofrido há muitos anos com intimidações e pressões. Hoje se enterra de vez o marco temporal”, diz em nota divulgada pela fundação.

De acordo com a Funai, a tese do marco temporal ignorava o longo histórico “de esbulho possessório e violência praticada contra os povos indígenas, acarretando a expulsão de seus territórios, além de violar os direitos indígenas previstos na própria Constituição Federal e em tratados internacionais dos quais o Estado brasileiro é signatário”.

A Funai destaca ainda que pela Constituição, as terras indígenas são bens da União e de usufruto exclusivo dos povos indígenas. Tratam-se de bens inalienáveis e indisponíveis, ou seja, não podem ser objeto de compra, venda, doação ou qualquer outro tipo de negócio, sendo nulos e extintos todos os atos que permitam sua ocupação, domínio ou posse por não indígenas.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acompanha os indígenas em Brasília e em outras regiões do país. Na Capital, de acordo com a entidade, cerca de 600 indígenas de várias regiões do país acompanham a votação do lado de fora do STF, por meio de um telão. Além deles, um grupo de 70 lideranças indígenas assistiram a sessão direto do plenário da Corte.

A entidade postou vídeo em que indígenas celebraram com cantos e danças, em tenda montada ao lado da Corte, quando formou-se maioria dos ministros contra o marco temporal.

(Com informações da Agência Brasil)

QG da rebeldia: Viamão foi verdadeira capital farroupilha

A República Riograndense, proclamada em 11 de setembro de 1836, após uma vitória do general Netto, teve três capitais, enquanto durou.

A primeira,  Piratini, instalada em novembro do mesmo ano, foi capital acéfala, pois Bento Gonçalves, eleito presidente, estava preso. Em janeiro de 1839, um ano e três meses depois,  a capital foi transferida para Caçapava, por razões de segurança. Também durou um ano e pouco, até maio de 1840, quando os rebeldes acossados transferem seu  governo para Alegrete. Em Alegrete, foi instalada a Assembleia que deveria aprovar a constituição da nova República, independente do Império brasileiro. Mas poucas reuniões ocorreram e a carta não chegou a ser votada. Em 1845, quando finalmente se renderam, os farroupilhas tinham seu governo em cima de carretas.

Viamão foi esquecida nesta história. No entanto, tudo indica que a “Vila Setembrina” foi a efetiva capital dos farrapos. Quando eles foram removidos de Viamão, a revolução começou a desandar.

“Quartel-general da rebeldia”, foi como Tristão de Alencar Araripe definiu Viamão no período da Revolução Farroupilha (1835/1845). Araripe era conselheiro do Império e foi presidente da Província dez anos depois da pacificação. Escreveu “Guerra Civil no Rio Grande do Sul”, minuciosa e bem documentada obra, embora parcial. Baseou-se em farta documentação do governo e privilegiou o ponto de vista imperial. Mas é esclarecedor e mostra que Bento Gonçalves fez de Viamão, onde tinha muitas relações de família, uma espécie de capital rebelde, desde as agitações iniciais. Navegando à noite, transportaram homens e armas de Pedras Brancas (atual cidade de Guaíba) para Itapuã, acumulando forças “nas costas da capital”. Canhões foram instalados no alto do morro e na ilha do Junco para impedir a navegação na  Lagoa dos Patos, por onde Porto Alegre poderia receber reforços.

Ilha do Junco vista do Morro da Fortaleza | Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

“Os chefes do movimento haviam se combinado: José Gomes Jardim e Onofre Pires reuniram algumas praças da Guarda Nacional, agregaram alguns peões na Capela de Viamão, distante quatro léguas da capital, e marcharam para esta no dia 20 de setembro de 1835, onde entraram com séquito de 300 a 400 pessoas”, escreve Araripe.

Expulsos da Capital em 1836, “os farrapos acamparam no Morro da Maria Silvestre, na lomba da Taruãá, em 27 de junho de 1836”, segundo Moacyr Flores. “Bento Gonçalves e Onofre Pires ocuparam uma casa junto da antiga Câmara”.

Foi nas colinas entre Viamão e Porto Alegre, na atual “Estrada do Forte” que os revoltosos mantiveram suas baterias para sustentar o cerco que se estendeu, com intervalos, por mais de quatro anos.

QG Farroupilha foi sede da extinta Fepagro, no bairro vizinho a Tarumã | Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

A tomada da fortaleza de Itapuã, em agosto de 1836, foi a segunda grande derrota dos farroupilhas, depois da retomada de Porto Alegre pelas forças do Império. Duzentos soldados desembarcaram de madrugada no Saco do Faria (hoje Praia das Pombas) para assaltar a fortaleza defendida por 42 farroupilhas. Sobreviveram dez feridos, feitos prisioneiros. O comandante Simeão Barreto foi enforcado, segundo Moacyr Flores.

Bento Gonçalves estava em Viamão, em setembro de 1836, quando o general Antonio de Souza Netto proclamou a República Riograndense, nos campos do Seival, em Alegrete. Na tentativa de sair para a campanha e alcançar Piratini, a capital republicana, caiu na armadilha da Ilha do Fanfa, onde foi encurralado e preso. Quando fugiu da prisão na Bahia, um ano depois, reassumiu a presidência em Viamão.

Em 1838, quando tomam Rio Pardo e estão no auge, os farrapos rebatizaram Viamão como Vila Setembrina, “essa dileta criação do governo insurgente”, nas palavras de Araripe.

Foi com a retaguarda que havia em Itapoã que Garibaldi contou para refugiar-se no rio Capivari e aí poder preparar os barcos com as carretas para chegar por terra ao  rio Tramandaí.

Do rebanho da Fazenda Boa Vista teriam saído os bois que puxaram as carretas com os barcos de Garibaldi em terras da estância entre os rios Capivari e Tramandaí, em 1840, para alcançar o mar e chegar à Laguna.

Em “Porto Alegre Sitiada”, o historiador Sérgio da Costa Franco detalha o que foram os quatro anos (de junho de 1836 a dezembro de 1840, com algumas interrupções) do cerco farroupilha à capital.

Ele diz que “o prolongado sítio de Porto Alegre foi um fracasso militar dos farroupilhas” e que teve a única eficácia de manter numerosas forças legalistas retidas na capital, enquanto os farrapos tentavam controlar o interior da Província.

Cruz farroupilha nas Trincheiras de Tarumã | Foto: Franciele Vitoria

No final de 1840, quando começaram as negociações de paz, Bento Gonçalves estava em Viamão e de lá trocava correspondência com o presidente da Província, em Porto Alegre. Quando chegou para oferecer, em nome do governo imperial, anistia aos rebeldes que depusessem  as armas,  o deputado Álvares Machado seguiu imediatamente para  Viamão para se encontrar com Bento Gonçalves e “durante todo o mês de novembro, andou entre Porto Alegre e Viamão em repetidos encontros com o chefe dos farroupilhas”, registra Costa Franco. Era recebido com “amigáveis banquetes”, segundo Araripe.

Quando o governo se deu conta de que as tratativas de paz eram apenas “manobras dispersivas” dos farroupilhas, retomou os planos de reunir uma grande força, para ir batê-los em Viamão. De São Paulo saiu a chamada “divisão paulista”, com mais de mil homens sob o comando do brigadeiro Pedro Labatut, enquanto em Porto Alegre, o governador Soares de Andrea reunia todas as suas forças para um ataque final. Percebendo que o cerco se fechava, Bento Gonçalves despachou uma força de 1.600 homens comandada por David Canabarro, para conter a aproximação de Labatut, e ficou com apenas 500 soldados em Viamão. Informado dessa manobra, o governador mandou o tenente-coronel João Nepomuceno, à frente de 720 homens, “ para fazer um reconhecimento em Viamão”.

Área do Passo do Vigário, do Centro a Tarumã | Foto: Ramiro Sanchez/@outroangulofoto

Uma partida de 300 farroupilhas tentou detê-los no Passo do Vigário, mas teve que bater em retirada, deixando nove mortos, entre eles o jornalista italiano Luigi Rossetti, criador do jornal O Povo, órgão oficial da revolução. Rossetti era editor do jornal, mas havia se desentendido com os chefes e foi mandado para a tropa, como tenente. Esse revés foi fatal, os farrapos tiveram que deixar sua “Setembrina”.

Depois disso, a revolução ficou limitada a escaramuças na Campanha e não mais se recuperou, até o desastre de Porongos em novembro de 1844, quando a derrota se consumou. A paz seria assinada três meses depois.

(Com informações do livro Viamão 300 anos, Já Editora, 2023 )

Apagão nacional e desempenho da CEEE Equatorial alimentam discurso contra privatizações

Foi aprovado por unanimidade na Assembléia Legislativa, nesta terça-feira (15), o nome de Marcelo Spilki para o cargo de conselheiro-presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados no Rio Grande do Sul (AGERGS).

Spilki ocupa a vaga do engenheiro  Luiz Afonso Sena, que renunciou ao cargo em abril  com críticas aos governo Eduardo Leite, por ter reduzido  a autonomia da agência. que regula os serviços públicos concedidos à exploração privada.

O pivô das críticas de Sena é o grupo Equatorial,  concessionário da Companhia Estadual de Energia Eletrica. Com a privatização, aumentaram as tarifas e caiu a qualidade do serviços.

Deputados de oposição à esquerda e à direita aproveitaram a sessão desta terça-feira, para criticar a postura da agência na fiscalização da CEEE Equatorial.

— Vejam que agora com este episódio da Equatorial ficou evidente que a Agergs não tem a menor capacidade de cumprir o seu papel na fiscalização. O pior de tudo é que isso vem sendo dito há tempo, inclusive pelo ex-presidente da Agergs (Luiz Afonso Senna) — disse Pepe Vargas (PT).

A  atuação da CEEE Equatorial tem sido usada pelos deputados de oposição, como exemplo do mau resultado das privatizações dos serviços públicos.

Esses parlamentares projetam que a Corsan, companhia de água e saneamento, recentemente privatizada, passará pelos mesmos problemas de atendimento à população, com elevação das tarifas e precarização dos serviços.

Nesta terça-feira, 15, o apagão nacional que atingiu 25 estados e o Distrito Federal, deixando cerca de 27 milhões de pessoas, um terço dos consumidores brasileiros, sem energia, foi mais um argumento crítico às privatizações

Durante a entrevista coletiva, o ministro  de Minas e Energia. Alexandre Silveira, fez críticas à privatização da Eletrobras, que detém a maior parte da geração e transmissão no Brasil. “Eu seria leviano em apontar que há uma causa direta [desse evento] com a privatização da Eletrobras. Mas a minha posição sempre foi a de que um setor como este deve ter uma mão firme do Estado brasileiro, como saúde, segurança e educação”, disse.

Braskem já pagou mais de R$ 5 bilhões em indenizações por afundamento do solo em Maceió

A Braskem fechou acordo e vai pagar à prefeitura de Maceió  R$ 1,7 bilhão por danos causados pelo afundamento do solo em cinco bairros da capital alagoana, em 2018.  O solo cedeu e segue cedendo em áreas que a empresa tem poços de extração de sal-gema, para a produção de cloro.

Segundo a empresa, outros R$ 3,7 bilhões já foram pagos  em 17 mil indenizações e auxílios a moradores e comerciantes.

O diretor Financeiro e de Relações com Investidores Braskem S.A., Pedro van Langendonck, diz no comunicado que acordo com a prefeitura, que ainda está sujeito a homologação judicial, estabelece indenização, compensação e ressarcimento integral ao município de Maceió “por todo e qualquer dano patrimonial e extrapatrimonial por ele suportado”.

Segundo a empresa, o acordo não interfere nas indenizações aos moradores. “É preciso destacar que o acordo não invalida as ações ou negociações entre a Braskem e os moradores das regiões afetadas”, diz a nota oficial publicada nesta sexta-feira, 21.

Atingidos
“Mais de 60 mil pessoas dos bairros Bebedouro, Bom Parto, Mutange, Pinheiro e parte do Farol foram atingidas pelo afundamento de solo” provocado por atividades de poços de extração de sal-gema da mineradora, informou a prefeitura à Agência Brasil.

De acordo com a Braskem, o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação terminou no fim de junho, com 19.033 propostas apresentadas aos moradores das áreas de desocupação e monitoramento.

“O número equivale a 99% de todas as propostas previstas. Do total de propostas apresentadas, 18.256 já foram aceitas. A diferença entre o número de propostas apresentadas e aceitas se deve ao tempo que as famílias têm para avaliar ou pedir reanálise dos valores”, informou a mineradora em texto publicado em seu site no dia 13 deste mês.

Para as indenizações de comerciantes e de empresários, a companhia informou que foram apresentadas 6.086 propostas, das quais foram aceitas 5.715 e pagas 5.327.

Conforme a Braskem, as áreas de desocupação e monitoramento continuam recebendo serviços de zeladoria, que incluem limpeza, dedetização e controle de pragas. “Para apoiar a segurança das pessoas que transitam nos bairros é feita fiscalização permanente. A Central de Monitoramento auxilia na vigilância patrimonial e aciona a Polícia Militar, quando necessário. As rondas das equipes de segurança são feitas 24 horas por dia, sete dias por semana”, acrescentou.

A Agência Nacional de Mineração interditou as atividades de todos os poços de extração de sal-gema da Braskem em Alagoas no dia 9 de maio de 2019.

Na mesma decisão, a empresa teve suspensa a licença de três poços e recebeu duas autuações, que somam R$ 29,3 milhões.

Um dia antes, um relatório do Serviço Geológico do Brasil, órgão do Ministério de Minas e Energia, mostrou que a mineração no local foi a principal causa do aparecimento de rachaduras em prédios e ruas em diversos bairros de Maceió..

A prefeitura de Maceió reforça que “o acordo não invalida as ações ou negociações entre a Braskem e os moradores das regiões afetadas”.

Bairros fantasmas
O processo de afundamento do solo começou em 2018. Mais de 14 mil imóveis condenados em cinco bairros de Maceió: Pinheiro, Bom Parto, Mutange, Bebedouro e Farol. Após décadas de mineração, parte da capital alagoana passa por um lento processo de afundamento do solo que abre rachaduras em ruas, prédios e casas, obrigando cerca de 55 mil pessoas a abandonarem suas residências e seus negócios.
As primeiras rachaduras surgiram no bairro do Pinheiro, após fortes chuvas em fevereiro de 2018. Ainda eram poucas, mas elas aumentaram quando um tremor de terra foi sentido em diversos bairros duas semanas depois, no dia 3 de março do mesmo ano. Era o início de um vasto trabalho de investigação e de um drama para milhares de famílias, transformando áreas inteiras em bairros fantasmas. Um problema que ainda está longe do fim, já que o solo continua afundando lentamente.

(Com Agência Brasil e G1)

Presidentes pedem diálogo entre governo e oposição para eleições na Venezuela

Em declaração conjunta, os presidentes da Argentina, do Brasil, da Colômbia e da França pedem ao governo venezuelano e representantes da oposição no país que retomem o diálogo e assegurem a organização de eleições livres e transparentes no país.

O documento foi publicado nesta terça-feira (18), um dia após reunião, em Bruxelas, com a participação dos presidentes Emmanuel Macron (França), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Gustavo Petro (Colômbia) e Alberto Fernández (Argentina), além do Alto Representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Josep Borrell.

Eles se reuniram na mesma mesa com a vice-presidenta da Venezuela e o negociador-chefe da Plataforma Unitária da oposição venezuelana, Gerardo Blyde.

“Os chefes de Estado e o Alto Representante instaram o governo venezuelano e a Plataforma Unitária da oposição venezuelana a retomar o diálogo e a negociação no âmbito do processo do México, com o objetivo de chegarem a um acordo, entre outros pontos da agenda, sobre as condições para as próximas eleições. Eles fizeram um apelo em prol de uma negociação política que leve à organização de eleições justas para todos, transparentes e inclusivas, que permitam a participação de todos que desejem, de acordo com a lei e os tratados internacionais em vigor, com acompanhamento internacional”, diz a declaração.

Os presidentes e o Alto Representante, ainda de acordo com a declaração, garantem que se houver avanço na negociação das eleições, a Venezuela poderá se ver livre das sanções econômicas atualmente impostas ao país.

“Esse processo deve ser acompanhado de uma suspensão das sanções, de todos os tipos, com vistas à sua suspensão completa”, diz o texto.

Os participantes da reunião prometeram manter a diálogo sobre o assunto ao longo do próximo período.

A Venezuela terá eleições gerais no ano que vem, e a oposição no país questiona decisões de órgãos públicos que inabilitaram alguns de seus principais candidatos. No caso mais recente, a ex-deputada María Corina Machado foi condenada à perda de direitos políticos por 15 anos. Também os políticos de oposição Henrique Capriles e Freddy Superlano estão igualmente inabilitados para concorrer à Presidência do país. A data das eleições ainda não foi definida.

Proposta brasileira: 16 países firmam compromisso para erradicar a fome

Representantes de 16 países da América Latina e Caribe assinaram uma “declaração de cooperação conjunta” em que se comprometem a erradicar a fome, garantir a segurança alimentar e nutricional e combater a desigualdade econômica e social na região.

A proposta foi apresentada pelo presidente da CONAB,  Edegar Pretto, durante encontro da Rede de Sistemas Públicos de Abastecimento e Comercialização na América Latina e Caribe, instituição internacional coordenada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em El Salvador, na América Central.

Conforme Edegar, a proposição, que foi aprovada por unanimidade, atende a um pedido do presidente Lula, para que a Conab volte a se relacionar e a formar parcerias de cooperação com serviços públicos de abastecimento e comercialização de outros países. “É um esforço coletivo, de todos nós, para incentivar a produção de alimentos, erradicar a fome e fortalecer as políticas públicas”, destacou o presidente, que cumpre a sua primeira missão internacional à frente da Conab.

A proposição leva em conta dados da FAO, que indicam um enorme retrocesso em indicadores associados à pobreza e à segurança alimentar na América Latina e Caribe. Nessa região, há mais de 267 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave ou moderada. Além disso, 33% da população está em situação de pobreza e 14,5% em pobreza extrema. No Brasil, conforme levantamento de 2020 a 2022, divulgado nesta quarta-feira (12) pela FAO, 21,1 milhões de pessoas passam fome.

No encontro, Edegar ainda destacou a volta de programas que haviam sido desfeitos pelo governo passado, como o de Aquisição de Alimentos (PAA) e a formação de estoques públicos, além da Política Nacional de Abastecimento Alimentar, que está em processo de discussão. Tratam-se de ações estratégicas para o governo, que estão sendo executadas com o apoio da Conab para incentivar a produção de alimentos e combater a fome no país. O presidente também teve vários encontros bilaterais para discutir cooperação técnica com países vizinhos, como Colômbia, México, Cuba e Honduras.

Além de propor os compromissos comuns entre os 16 países, Edegar também ofereceu o Brasil para sediar o próximo encontro da Rede, em 2024. Conforme decisão unânime entre os participantes, o evento será em Brasília, com a perspectiva de integrar mais países da América Latina à Rede. O objetivo do evento é promover intercâmbio de experiências de comercialização e abastecimento entre vários países, desenvolvendo estratégias conjuntas de integração regional e projetos de cooperação técnica.

Países que participam da Rede:

Brasil, Costa Rica, Cuba, Chile, El Salvador, Guatemala, República Dominicana, Paraguai, São Vicente e Granadinas, Venezuela, Honduras, Bolívia, Panamá, México, Colômbia e Equador.

(Com informações da Assessoria de Imprensa)

Polícia Federal busca financiadores do atentado no aeroporto de Brasília

O assunto saiu do noticiário,  mas a Polícia Federal ao que tudo indica não parou de investigar.

Na manhã desta quinta-feira, 06, a PF anunciou a Operação Embarque Negado, “para chegar aos financiadores do atentado a bomba nas proximidades do Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek, em Brasília, em dezembro de 2022”.

Seis mandados de busca e apreensão foram cumpridos, sendo um em Marabá (PA), um em Água Boa (MT) e quatro no Distrito Federal.

Em nota, a PF explicou que “os envolvidos estão sendo investigados pelos crimes de atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo, atentado contra a segurança de serviço de utilidade pública  e associação criminosa”.

As investigações se referem também a outros dois episódios: o de 2 e 8 de dezembro de 2022, quando várias pessoas invadiram a área de acesso restrito e locais próximos ao aeroporto da capital, causando uma série de transtornos a segurança aérea e ao serviço do terminal. 

O atentado foi frustrado no dia 24 de dezembro, quando o motorista de um caminhão tanque, numa inspeção de rotina, encontrou uma bomba entre os eixos do veículo que estava carregado de combustível para o aeroporto, e chamou a polícia.

A polícia, em princípio, descartou a participação dele, mas prendeu George Washington de Oliveira Souza, por suspeita de envolvimento no caso.  Ele mora no Pará mas estava em Brasilia para participar das manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro, em frente ao quartel general do Exército, na capital.

O homem foi localizado e preso em um apartamento na região do Sudoeste e confessou que tinha intenção de explodir o artefato no aeroporto. Com ele, foi apreendido um arsenal com pelo menos duas espingardas, um fuzil, dois revólveres, três pistolas, centenas de munições e uniformes camuflados. No apartamento, foram encontradas outras cinco emulsões explosivas. À época ele disse que “queria dar inicio ao caos”.

George Washington foi condenado pelo crime a 9 anos e 4 anos meses de prisão e está foragido. Também foi condenado no caso Alan Diego dos Santos Rodrigues, que está preso.. Alan confessou à Polícia Civil que recebeu a bomba colocada no caminhão-tanque no acampamento em frente ao Quartel-General do Exército. Ele também afirmou ter colocado o explosivo no caminhão pessoalmente, e disse que na ocasião estava acompanhado por Wellington Macedo de Souza.

(Com Agência Brasil e G1)